no PÚBLICO
1. Este Papa parece que tem horror ao vazio. Ainda andamos às voltas com o desafio da Igreja sinodal (2021-2023) – muitas pessoas ainda nem se deram conta do que isso significa e implica – e, no entanto, acaba de nos lançar para o Jubileu 2025. Talvez não seja inútil apresentar algumas etapas desse percurso.
O Papa Paulo VI instituiu o Sínodo dos Bispos para continuar o Vaticano II, que também tinha sido um Concílio de Bispos. Já teve várias realizações até à chegada do Papa Francisco. Este continuou o modelo que não satisfez o programa que traçara para o seu pontificado – A Alegria do Evangelho.
Resolveu convocar algo diferente – o Sínodo 2021-2023, para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. O objectivo e o método são diferentes. Não se trata, apenas, de uma consulta seleccionada para o trabalho dos bispos. Agora, deseja que a configuração deste Sínodo resulte de toda a Igreja. Para isso, contamos com um Documento preparatório e o Vade-mécum que fornecem indicações e sugestões sobre o processo de escuta e discernimento, que as igrejas locais farão de forma criativa, se fizerem, pois são conhecidas muitas resistências.
No passado dia 3 de Fevereiro, enviou uma mensagem, lida pelo cardeal Parolin, secretário de Estado do Vaticano, na qual declarava: “Tenho o prazer de me unir, como Bispo de Roma, à abertura das celebrações do 150.º aniversário de Roma Capital que, por iniciativa da Presidente da Câmara Municipal de Roma, Ilustre Virginia Raggi, começam hoje na presença do Presidente da República”.
Nessa mensagem, fez notar que “há uma demanda de inclusão inscrita na vida dos pobres e daqueles que, imigrantes e refugiados, vêem Roma como um porto de salvação. Muitas vezes, os seus olhos, incrivelmente, vêem a cidade com mais expectativa e esperança do que nós, romanos, que, pelos múltiplos problemas quotidianos, olhamo-la de modo pessimista, quase como se ela estivesse destinada à decadência. Não, Roma é um grande recurso da humanidade! Roma é uma cidade de beleza única. Roma pode e deve renovar-se, no duplo sentido da abertura ao mundo e da inclusão de todos. Os Jubileus também a estimulam a isso, e o de 2025 já não está muito longe”. Este anúncio foi uma surpresa para muita gente. Ainda não chegámos ao Sínodo de toda a Igreja e já nos aponta outro horizonte.
No entanto, nunca deveria ser esquecido que o movimento cristão nasceu, precisamente, da apresentação do programa de Jesus como acontecimento jubilar: O Espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu para… proclamar um ano da graça do Senhor [1].
2. Pressupondo esse acontecimento, a 11 de Fevereiro, enviou uma Carta ao Arcebispo Rino Fisichela, revelando o sentido do Jubileu 2025 e associando-lhe o percurso que se está a fazer com o Sínodo de 2023. Deixo, aqui, algumas passagens dessa Carta que merece ser lida na íntegra.
Recorda que o Jubileu representou sempre na vida da Igreja um acontecimento de grande relevância espiritual, eclesial e social.
Desde que Bonifácio VIII, em 1300, instituiu o primeiro Ano Santo, o povo de Deus viveu esta celebração como um dom especial de graça, caracterizado pelo perdão dos pecados e, em particular, pela indulgência, expressão plena da misericórdia de Deus. Começou por realizar-se de cem em cem anos, passando depois, segundo o modelo bíblico, de cinquenta em cinquenta e, por fim, fixada de vinte e cinco em vinte e cinco anos.
Lembra que os fiéis, muitas vezes no final de uma longa peregrinação, revigoravam-se no tesouro espiritual da Igreja e, simbolicamente, atravessavam a Porta Santa, venerando as relíquias dos Apóstolos Pedro e Paulo guardadas nas basílicas romanas. Milhões e milhões de peregrinos, ao longo dos séculos, vieram até estes lugares sagrados, dando vivo testemunho da fé de sempre.
Agora, aproxima-se a meta dos primeiros vinte e cinco anos do século XXI. Somos chamados a realizar uma preparação que permita ao povo cristão viver o Ano Santo em todo o seu significado pastoral.
Devemos manter acesa a chama da esperança que nos foi dada e fazer todo o possível para que cada um recupere a força e a certeza de olhar para o futuro com espírito aberto, coração confiante e mente clarividente. O próximo Jubileu poderá favorecer imenso a recomposição dum clima de esperança e confiança, como sinal de um renovado renascimento do qual todos sentimos a urgência. Por isso, escolhi o lema Peregrinos de esperança.
O Papa insiste que tudo isto será possível se formos capazes de recuperar o sentido de fraternidade universal, se não fecharmos os olhos diante do drama da pobreza crescente que impede milhões de homens, mulheres, jovens e crianças de viverem de maneira digna de seres humanos. Pensa de modo especial nos inúmeros refugiados forçados a abandonar as suas terras. Que as vozes dos pobres sejam escutadas neste tempo de preparação para o Jubileu.
Não devemos esquecer que o Jubileu bíblico implicava um acontecimento de justiça, estabelecendo que fosse restituído, a todos e a cada um, o acesso aos frutos da terra: O que a terra produzir durante o seu descanso, servir-vos-á de alimento, a ti, ao teu escravo, à tua serva, ao teu jornaleiro e ao inquilino que vive contigo. Também o teu gado, assim como os animais selvagens da tua terra, poderão alimentar-se com todos esses frutos [2]. Os exegetas duvidam que fosse sempre observada esta grande medida.
O Pontífice Romano confiou, ao Arcebispo Rino Fisichela, a responsabilidade de encontrar as formas adequadas para que o Ano Santo possa ser preparado e celebrado com fé intensa, esperança viva e caridade operosa. O Dicastério que promove a nova evangelização saberá fazer deste momento de graça uma etapa significativa na pastoral das Igrejas Particulares, latinas e orientais, que nestes anos são chamadas a intensificar o empenhamento sinodal. Nesta perspectiva, a peregrinação rumo ao Jubileu poderá reforçar e exprimir o caminho comum que a Igreja é chamada a empreender para ser, cada vez mais e melhor, sinal e instrumento de unidade na harmonia das diversidades.
3. O Papa Francisco não vive apenas de grandes mensagens a toda a Igreja e ao mundo todo. Também reserva tempo para os amigos. Não esqueceu o trigésimo aniversário da eleição do seu amigo e irmão Bartolomeu como Patriarca da antiga e gloriosa Sé de Constantinopla.
“O bom entendimento pessoal entre nós nasceu no próprio dia da inauguração do meu ministério, quando ele me honrou com sua presença em Roma e, depois, amadureceu numa amizade fraterna nos muitos encontros que, ao longo dos anos, tivemos, não só aqui em Roma, mas também em Constantinopla, Jerusalém, Assis, Cairo, Lesbos e Bari”.
E com muita graça, pede a Deus que “lhe conceda saúde, serenidade, alegria espiritual e – permita-me dizer – senso de humor: mais!”.
O Papa e o Patriarca Bartolomeu não se contentaram com a coexistência pacífica entre as Igrejas, tornaram-se amigos, irmãos. São estes os verdadeiros peregrinos de esperança.
Frei Bento Domingues no PÚBLICO
[1] Lc 4, 16-30
[2] Lv 25, 6-7. Recomendo a leitura de todo o capítulo 25 e as notas da Bíblia Sagrada, Difusora Bíblica.