Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo II do Tempo Comum
Este domingo inicia, no ano litúrgico, a fase do tempo comum que abre com a festa de um casamento, em que participa Jesus, sua Mãe e os discípulos, além de outros convivas. A Igreja quer destacar a importância deste episódio que tem valor de sinal de uma realidade superior: a do amor de Deus por nós, seu povo. Realidade protagonizada por Jesus que dá rosto humano a este amor divino. Que maravilha a contemplar e que apelo a acolher, a meditar e viver. Jo 2, 1-11.
A boda dos noivos de Caná da Galileia é para Jesus a oportunidade de manifestar a relação do casamento natural com o amor de Deus pelo seu povo. A relação tem o valor de símbolo e a manifestação constitui o primeiro sinal da novidade que Jesus traz à realidade humana, conjugal e familiar. A oportunidade surge quando, no decorrer da festa, vem a faltar o vinho – o que provoca um certo desconforto entre os mais atentos e solícitos.
A mãe de Jesus está presente e atenta. Dá conta da ocorrência e, discreta, intervém junto do Filho, expondo brevemente a necessidade sentida. Dirige-se também aos serventes e recomenda-lhes que façam o que ele disser. E a maravilha vai-se realizando: as talhas de pedra que estavam vazias, enchem-se; a transformação da água em vinho, acontece; o teste da prova faz-se e é conclusivo; a necessidade é superada; a serenidade vence a ansiedade; a alegria renasce e redobra de intensidade; o chefe de mesa convence-se e interpela o noivo; o vinho bom tinha chegado e era para ficar; a mensagem é captada e os discípulos acreditam. E João, o narrador do episódio, afirma que Jesus manifesta, assim, a sua glória, a missão de que estava incumbido por Deus Pai. Com qual destas personagens me sinto mais em sintonia?
Um dinamismo intenso perpassa nesta descrição: o desejo de que a boda atinja a sua finalidade, a alegria da festa nupcial, o crescimento da fé dos discípulos, a manifestação da glória de Jesus.
“Desejar – explica o Papa Francisco – significa manter vivo o fogo que arde dentro de nós e nos impele a buscar além do imediato, além do visível. Porque a vida não está ‘toda aqui’, também está ‘em outro lugar…’Podemos dizer, sem exagerar, que somos o que desejamos”. Os desejos, de fato, levam-nos “para além das barreiras do hábito, para além de uma vida achatada no consumo, para além de uma fé repetitiva e cansada, para além do medo de nos colocarmos em campo, de nos empenhar pelos outros e pelo bem”.
Retomando a meditação que vínhamos fazendo detemo-nos na missão de Jesus que consiste em ser o amor humanizado de Deus que perpassa e se realiza, de forma especial, na atenção ao que acontece, na proximidade solícita e solidária para com os carecidos e aflitos, na valorização dos pequenos gestos, no diálogo interpelante, na alegria do convívio e da festa, na relação conjugal entre homem e mulher, no matrimónio conscientemente assumido e fielmente vivido.
Nas bodas de Caná, tudo aponta para este final feliz. Quem fica nos pormenores e perde a intenção de Jesus pode comparar-se a alguém que quer ver a lua, mas não tira o olhar do dedo de quem aponta a direcção em que ela se encontra. Por mais esforços que faça, nunca alcançará o que pretende e corre o risco de descrer da sua existência, apesar de observar o luar brilhante, em noites de céu límpido e estrelado. Assim, quem não alicerça o amor conjugal heterossexual na sua matriz original – a criação do homem e da mulher como seres em relação mútua e recíproca – e na bênção renovadora e reconfortante com que Jesus a enriquece e eleva.
A água e o vinho constituem os elementos materiais que visualizam esta novidade. São realidades normais da vida quotidiana: a água como elemento natural bruto; o vinho, como fruto “da terra e do trabalho humano”; ambos vão ser transformados, na eucaristia, em dons da salvação. Nas bodas de Caná, tudo é frágil e momentâneo, mas fortemente expressivo. Assim, no casamento, realidade humana sujeita a tantas tribulações, mas onde se serve, no dia-a-dia, o vinho da alegria e do perdão e se faz vida o amor de Deus em sentimentos de comunhão e gestos de doação e entrega. Apreciemos sempre o vinho bom que Jesus nos oferece, mas sobretudo na eucaristia.
Pe. Georgino Rocha