para o Domingo II do Advento - Lc 3, 1-6
Chega-nos, vindo das margens do Jordão, um apelo forte a um novo estilo de vida para ver a salvação de Deus. É seu arauto João Baptista, o profeta precursor de Jesus. A sua voz surge como um grito de alarme, um convite à mudança de modos de vida, um apelo a transformações radicais. E, junto ao rio, vai clamando em linguagem telúrica e metafórica: Endireitai o que está torto, alteai vales, abatei montes e colinas, aplanai arestas escarpadas, alinhai veredas e preparai o caminho do Senhor.
Esta mensagem interpelante recebe-a João, de Isaías e serve de pórtico de entrada à missão de Jesus. É mensagem de urgência inadiável. “Está em jogo” a salvação que Deus oferece a quem a receber e for coerente, salvação que será vista por toda a criatura. Jesus confirma o alcance da pregação de João e abre-lhe horizontes inovadores. A comunidade cristã credibiliza o seu testemunho na medida em que lhe for fiel. Cada um de nós será autêntico discípulo se adoptar o estilo de vida correspondente.
O Papa em mensagem enviada aos participantes no recente Festival da Doutrina Social da Igreja, em Verona, e tem como lema “Ousados na esperança, criativos com coragem”, afirma ser taxativo “construir mudanças, pois sabemos que de uma crise não saímos iguais: sairemos melhores ou piores". O apelo a um novo estilo de vida está lançado. Também agora.
O estilo de vida “ao jeito de João Baptista” reveste características de justiça, de solidariedade e de mística.
De justiça que ama a sobriedade de bens e cultiva a simplicidade de vida; que reconhece a importância das estruturas e luta por estarem adequadas à dignidade humana e à convivência social, com espaço para todos; que denuncia tudo o que oprime capacidades e aspirações, cerceando horizontes e amortecendo sonhos de felicidade. Não se conforma com paliativos, ainda que provisórios, nem com protestos, ainda que veementes, nem com qualquer lenitivo, ainda que benfazejo. A justiça digna do ser humano é o reflexo do Deus justo, da paz na humanidade, da fraternidade entre todos os que se sentam à mesa comum e beneficiam dos bens correspondentes.
Outra característica diz respeito à solidariedade que expressa e renova relações entre pessoas, que gera vínculos entre instituições, contratos e parcerias entre voluntários, espaços de diálogo e convívio entre gerações, elos de proximidade distante, entre utilizadores da rede virtual. Não se satisfaz com intervenções pontuais, sempre precisas em caso de emergência, nem com medidas assistenciais, sempre necessárias em situações precárias de miséria.
A solidariedade é “coisa” de Deus que não abdica do seu projecto histórico de ajudar o homem a ser homem, sua imagem e semelhança na criação, e seu filho na redenção salvadora alcançada por Jesus Cristo. Ser solidário “ao estilo de Jesus” é viver o seu amor incondicional a todos, em todas as circunstâncias e correndo todos os riscos. Sem homens/mulheres marcados por este estilo de vida, as estruturas ficam esqueléticas, a convivência social torna-se campo de rivalidades, ainda que disfarçadas, e a ordem estabelecida impõe-se como “colete-de-forças” que espartilha os melhores esforços e aprisiona as mais generosas intenções.
João Baptista “bebeu” no deserto o espírito que dá sentido ao seu estilo de vida. Deserto do silêncio para escutar a voz de Deus e assumir a palavra que quer dirigir à “cidade” dos homens; deserto de aparências e supérfluos, que realça o “essencial”, o sentido fundamental da existência, deserto de tentações sedutoras que assaltam o coração e procuram reencaminhá-lo para satisfações fugazes.
O apelo/convite está feito. Outrora por João e por Jesus. Agora pela Igreja, pelo clamor de multidões espoliadas e famintas, pela consciência. Pretende libertar-nos de tudo o que nos amarra e impede de sermos nós mesmos. Por isso exorta-nos a estarmos atentos na escuta e a sermos sóbrios no uso dos bens, generosos na partilha, condoídos na solidariedade, dedicados na proximidade, confiantes no Senhor que vem e já nos faz ver as “pegadas” dos seus passos na nossa humanidade. Confiantes na espera.
"Aquele que espera sabe que faz parte de uma história construída por outros e recebida como dom, assim como na parábola dos talentos. Sabe também que deve fazer este dom dar frutos", conclui o Papa Francisco na referida mensagem.
Pe. Georgino Rocha