Crónica de Miguel Oliveira Panão
O clima está a mudar. A culpa é nossa. As consequências não são animadoras. E os governantes que podem fazer alguma coisa para inverter esta situação falam muito, mas reconhecem a necessidade de agir. O papa Francisco também falar de agir. Até a newsletter que recebo do jornal Expresso usa a frase é “a hora de agir.” Vamos a isso! Mas... qual é mesmo o primeiro passo?
É comum pensarmos que agir significa somente arregaçar as mangas, pôr mãos à obra — como se costuma dizer — mas, enquanto não soubermos bem o que está em jogo, o nosso agir desorienta-se. Por exemplo, sabias que na Ásia o aumento das chuvas transporta mais sedimentos para os rios, tornando-os mais lamacentos, diminuindo a qualidade da sua água e da energia produzida nas barragens para irrigação? O resultado de uma água mais lamacenta serão os riscos que representa para a saúde humana e a qualidade da energia necessária para as pessoas da região viverem. Se o agir de hoje, em qualquer parte do mundo, levou a esta situação na Ásia, é urgente mudar o nosso agir para reverter esta situação que, um dia, poderemos sofrer a seu modo no lugar onde vivemos.
O agir humano provém da sua interioridade. O que vivemos dentro de nós influencia, de uma maneira quase incontrolável, o que fazemos fora de nós através do nosso agir. Por isso, talvez haja um agir interior correspondendo ao que podemos fazer para mudar a mente e o coração.
Um primeiro acto interior poderia ser a quebra da distância que nos separa de pessoas estranhas como os asiáticos que estão do outro lado do mundo. Sim, estão longe, mas são meus irmãos pelo baptismo, filhos da terra e nos genes partilhamos a mesma humanidade na sua belíssima diversidade. Agir interiormente para quebrar a distância significa desenvolver em nós a sensibilidade para o sofrimento daquele que existe e não vejo, ou conheço, mas faz parte de mim. Sem ele nada sou.
Em segundo acto interior ligado com o primeiro seria criar uma nova ligação neuronal no cérebro que despertasse em nós a capacidade de nos colocarmos na pele do outro. Seria um agir interior por empatia. É difícil sentir o que o outro sente quando não temos uma experiência de vida comum. Uma empatia que age dentro de nós inspirada pela sensibilidade ao sofrimento daquele que está distante, deveria levar-nos a mudar o nosso estilo de vida sabendo que o fazemos pelo clima do outro como pelo nosso.
Um terceiro acto interior implica redescobrir o valor do que é lento, da pausa e da paciência. Agimos muitas vezes sem pensar nas consequências e contra mim falo. Quantas vezes não acelero só por falta de paciência para com a pessoa que não avançou ao sinal verde e quase me impediu de passar esse sinal para levar a minha filha à escola. O agir como uma experiência positiva do tempo pode levar-nos a fazer as coisas mais cedo, ou a fazer menos coisas. A saber abdicar de fazer tudo no momento em que nos lembramos, levando à vivência em cima da hora que nos ”stressa” a todo o momento. Confesso ser uma das maiores lutas do agir interior que vivo: a lentidão por amor e respeito aos tempos.
O agir interior ao olhar de muitos pode parecer passivo. Meter as mãos na massa implica ir para o meio da multidão protestar, ou fazer greve para chamar a atenção daquilo que não está bem no nosso agir para com os ecossistemas terrestres, ou ainda cortar radicalmente com tudo aquilo que danifica a biosfera e altera o clima. Apesar de serem actos importantes e com valor, são passos grandes que correm o risco de não levar à mudança perene do nosso interior.
O agir interior que pode criar um tsunami cultural para mudarmos os nossos estilos de vida conduz-nos a uma vida plena e profunda. Silenciosa e quase invisível nos resultados porque a escala de tempo do fruto que nasce das pequenas escolhas demora a nascer. Um tempo que parece estar a esgotar-se, se não tivermos esgotado já. Muitos falam do agir exterior e esse deve acontecer agora, mas não nos esqueçamos do agir interior que depende de cada ser humano. Depende de ti e de mim. Olha à tua volta. Observa. Será que o teu ambiente exterior se tornou uma expressão visível do invisível ambiente interior? Por vezes basta olhar para a nossa mesa de trabalho, ou para o estado da cozinha, ou para a quantidade de pó nos cantos da casa. Sim, chegou a “hora de agir”, mas, sobretudo, agir dentro de nós.
Nota: Li aqui