Reflexão de Georgino Rocha para o Domingo XXVI do Tempo Comum
Qualquer estorvo pessoal que impeça entrar na vida deve ser eliminado. A preocupação de Jesus é que todos estejam livres para aderirem à sua proposta de felicidade, ao seu projecto de salvação, ou, dito com palavras bíblicas, ao reino de Deus.
A escolha da vida é a opção certa. Mesmo que muito custe. Jesus di-lo claramente, aos discípulos recorrendo a exemplos contundentes. E nós vemos situações que o comprovam. Se um membro do corpo humano constitui ameaça séria à vida, tem de ser amputado; de contrário, os riscos de morte podem ser iminentes. A sabedoria popular e as ciências médicas confirmam este modo de proceder: salvar a vida terrena, ainda que se percam bens muito valiosos e apreciados. Quanto mais a vida eterna. Mc 9, 38-43.47-48
O Papa Francisco exorta-nos a que nos lembremos “sempre que construir o futuro não significa sair do hoje que vivemos! Pelo contrário, o futuro deve ser preparado aqui e agora…” E que na “carta encíclica Fratelli tutti/Todos Irmãos, deixei expressa uma preocupação e um desejo, que continuo a considerar importantes: «Passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta. No fim, oxalá já não existam “os outros”, mas apenas um “nós”» (n. 35).
Jesus quer transmitir aos discípulos a importância de saber escolher o melhor. E para que entendam bem o alcance do seu ensinamento, recorre a imagens fortes, expressivas e hiperbólicas. A mão, o pé, o olho, são partes do corpo humano com um grande valor simbólico: o desejo incontrolado de domínio e poder, de ambição e cobiça, de sedução e posse. Quem não se liberta do “cerco” em que se encontra aprisionado por eles, fica impedido de descobrir a novidade que Jesus anuncia e de entrar na sua comunidade.
E constitui também um mau exemplo para os outros, sobretudo os “pequeninos”, os que não têm consistência nas convicções, os pouco esclarecidos na fé e correm o risco de esquecer Deus. Quem não se abre aos outros ainda não compreendeu o projecto de Jesus, projecto inclusivo mesmo dos que “não andam connosco”, queixa de João, no Evangelho, ou “proíbe-os “ na versão da 1ª leitura em que Josué denuncia a Moisés os jovens que andavam a profetizar no acampamento. Moisés exclama em resposta: “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta…”
Qualquer estorvo pessoal que impeça entrar na vida deve ser eliminado. A preocupação de Jesus é que todos estejam livres para aderirem à sua proposta de felicidade, ao seu projecto de salvação, ou, dito com palavras bíblicas, ao reino de Deus.
Entrar no reino é apreciar, desde já, a luta contra a exploração e a fraude, autênticas forças do mal; valorar e impulsionar o bem em prol dos mais necessitados, identificar os vestígios de Deus, na vida simples de cada dia ou nos grandes acontecimentos, fomentar a partilha generosa de bens com quem precisa, viver a relação fraterna com todos, designadamente os excluídos da sociedade, acolher e saborear o amor filial com Deus Pai. Entrar e viver no reino é, desde já, descobrir o valor da comunidade dos discípulos de Jesus – a Igreja – e, apesar das suas limitações, reconhecer a missão que lhe está confiada: ser solidária com o mundo e comunicar-lhe o que tem de melhor: A boa nova do amor com que Deus o ama.
E o Papa adverte: Se o mundo saísse desta pandemia e procurasse ficar tal como era antes, algo tinha corrido muito mal. Estamos todos a ser chamados à construção de algo diferente. Não temos de querer o que tínhamos antes, mas qualquer coisa diferente. Algo se há-de modificar no coração e na forma de vivermos uns com os outros, de viver no mundo, de estarmos integrados na sociedade onde estamos.” Ecclesia.
Pe. Georgino Rocha