sexta-feira, 23 de julho de 2021

Pão repartido sacia as fomes do mundo

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo XVII do Tempo Comum



Ontem como hoje, as multidões têm fome de toda a espécie de pão que corresponde a todas as dimensões do ser integral da pessoa humana.

A atitude da multidão denota o alcance da acção missionária de Jesus. Vê o que faz aos doentes e sente-se atraída. Deixa o rame-rame da vida e segue-o. Deleita-se com os ensinamentos que ouve e nem sequer se preocupa com a fome que lhe consome as energias. Mas preocupa-se Jesus: Ao ver a multidão pergunta a Filipe: Onde encontrar pão para tanta gente?. Jo 6, 1-15. Se então eram muitos, hoje são milhões.
Segundo dados do último relatório da Oxfam/ONG italiana, a situação é alarmante: “Acontece que 20 milhões de pessoas a mais que no ano anterior estão à beira da morte porque não têm alimentação suficiente: 155 milhões no mundo … A emergência é global e afeta principalmente as camadas mais vulneráveis da população, começando pelas mulheres, que em muitos casos abrem mão da comida para alimentar seus filhos”, afirma Paolo Pezzati… Em que mundo vivemos se esta emergência não está no topo das agendas políticas comuns?” E das nossas preocupações diárias?
A multidão experimenta o olhar compadecido de Jesus e aguarda, paciente, a palavra/resposta às necessidades prementes. Obedece à ordem de Jesus dada pelos apóstolos e senta-se na erva dos campos. Agrupa-se, recebe o pão que lhe é entregue e come até ficar saciada. Conserva o que sobra e deposita-o nas mãos dos encarregados da recolha. Admira a acção extraordinária de Jesus – sinal de uma outra realidade ainda mais sublime - e entusiasma-se tanto, que o identifica com o profeta prometido e se propõe aclamá-lo rei. Desolada, vê-o partir sozinho para o monte, como fazia, de vez em quando, e fica na expectativa.
A desolação da multidão é compreensível. Tudo apontava para Jesus ser o profeta esperado, o rei anunciado, o messias desejado. E não era engano! Mas Jesus quer, positivamente, mostrar que o caminho do Messias prometido era outro: o do serviço humilde e despretensioso, o de valorar as capacidades humanas naturais e adquiridas.
O episódio da “multiplicação” dos pães é apresentado pelos evangelistas como um paradigma da realização deste projecto. Ontem como hoje, as multidões têm fome de toda a espécie de pão que corresponde a todas as dimensões do ser integral da pessoa humana. Fome de pão é grito por uma vida digna, por um acesso razoável e equitativo aos bens de todos, por uma liberdade segura, por um amor inquebrantável e solidário, por uma participação responsável na promoção do bem comum, por uma aceitação respeitosa e valorativa da relação com o transcendente, com Deus que historicamente se configura de tantos modos e se humaniza em Jesus Cristo.
Saciar esta fome é direito/dever de todos. O diálogo de Jesus com Filipe e André, embora simbólico, é conclusivo. A multidão vivia do ganho diário. Não havendo trabalho, ficava sem provisões. Nesse tempo, mais de 70% estava sujeita a esta contingência. A contratação era feita na praça pública. A paga da jornada por inteiro equivalia a um denário, importância indispensável para a alimentação do dia. A esta luz, como podia a multidão ir à cidade para comprar pão, como sugerem os apóstolos? Insensatez ou provocação?
Descartada esta hipótese, Jesus continua preocupado com a fome da multidão. Responsabiliza os apóstolos por arranjarem alimento suficiente e não apenas um bocadinho para cada um. Tarefa árdua e inconcebível. Apesar de tudo, a confiança no Mestre leva-os a procurar. Encontram um rapazinho com farnel de dois peixes e cinco pães. Convidam-no a ceder o que tinha e levam-no a Jesus. (Grande simbolismo está contido neste gesto simples do jovenzinho!).
Lembra o Papa Francisco na sua mensagem para o 1º Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, que hoje se celebra: “Quero dizer que há necessidade de ti para se construir, na fraternidade e na amizade social, o mundo de amanhã: aquele em que viveremos – nós com os nossos filhos e netos –, quando se aplacar a tempestade. Todos devemos ser «parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas» (Ibid., 77). E o Papa idoso acrescenta: Entre os vários pilares que deverão sustentar esta nova construção, há três que tu – melhor que outros – podes ajudar a colocar. Três pilares: os sonhos, a memória e a oração. A proximidade do Senhor dará – mesmo aos mais frágeis de nós – a força para empreender um novo caminho pelas estradas do sonho, da memória e da oração”.
O relato de Marcos prossegue, narrando o gesto de Jesus , a oração de bênção que faz do farnel uma “fonte de abastecimento” constante, com pão fresco e pronto a ser servido pela comunidade dos crentes. Tal o sentido escondido nos cinco pães e nos dois peixes. A fome no mundo constitui um desafio permanente à consciência da humanidade e da Igreja. Para cooperar com Deus, senhor de todos os bens, e ser agente de intervenção na sociedade de todos, sem excepção. A celebração da eucaristia constitui o memorial sacramental desta responsabilidade histórica. Em cada domingo, o Senhor Jesus nos intima: dai-lhe vós mesmos de comer. E como os apóstolos, somos impelidos a conjugar esforços, a ceder farnéis, a partilhar criteriosamente e a não deixar que nada se perca.

Pe. Georgino Rocha

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