Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo X do Tempo Comum
Jesus começa a ver o resultado da fase inicial da sua missão. O número dos que o acompanham é já multidão. O vigor físico cede lugar à fadiga e à fome. Os lugares públicos, as aldeias e os campos, são “momentaneamente” esquecidos e abandonados. Surge a casa emblemática da sua nova residência em Cafarnaúm, como espaço-abrigo e local de missão, como símbolo da realidade que estava a germinar, como indício da família “em gestação” constituída por laços originais únicos. Mc 3, 20-35.
A fama de Jesus atrai numerosas pessoas que recebiam, com agrado, a mensagem que lhes dirigia e ficavam admiradas com as obras que realizava. O estatuto social do Nazareno eleva-se acima do normal, atribuído a um artesão de aldeia. A relação de confiança entre o Rabi e os seus seguidores aumentava de forma visível e era publicamente reconhecida. O êxito parecia garantido, se ninguém travasse o dinamismo crescente. Mas houve e há, como nos narra o evangelho e a experiência demonstra.
O Papa Francisco, ao terminar a “maratona de oração” que durante o mês de Maio último percorreu santuários marianos de todo o mundo para pedir à Virgem Desata Nós o fim da pandemia do corona vírus, reza perante o ícone da Senhora nos Jardins do Vaticano: “Tu que sabes desatar os nós da nossa existência e conheces os desejos de nosso coração, vem em nossa ajuda. Estamos convictos de que, como em Caná da Galileia, encontrarás o modo de que volte a alegria, a festa e a celebração nos lares, depois deste tempo de prova”. E prossegue: Pedimos-Te que termine a pandemia, e que desates os nós que nos atam física e humanamente”. E enumera alguns que causam muitas dores: a guerra, a violência, o desemprego, a fome, a desigualdade, o ódio, o egoísmo no reparto de vacinas. Outros nós ficam narrados no Evangelho de hoje.
Os parentes de Nazaré, incomodados pelas notícias que chegam, saem à procura dele e pretendem trazê-lo para casa. Segundo os boatos postos a correr, Jesus adoptava condutas desviantes, práticas ilegais, atitudes irreverentes. Fazia “coisas” típicas das pessoas com demência clara, de quem enlouquecera e não pode responder pelo que diz ou faz. Também a Mãe e seus familiares vão verificar o que está a acontecer, dispostos a exercer o dever legal de fazer com que regresse a casa e realinhe o seu comportamento pelo que está preceituado.
Os mestres da Lei, os escribas, acorrem a Cafarnaum vindos de Jerusalém. Trazem o diagnóstico feito e é conclusivo. Não negam o que Jesus faz, mas estabelecem uma parceria nova que explica o sucesso: a aliança com o demónio, a relação com Satanás que agia por meio do Nazareno a quem dotava de poderes eficazes. Reeditam, em versão requentada, o episódio das tentações ocorridas após o baptismo de Jesus e antes do início da vida pública. E, expectantes e contentes, aguardam o desfecho da acusação. Como possesso, o estatuto social de mestre desmorona-se; o comportamento desviado, confirma-se; o descrédito dos ensinamentos avoluma-se; e a missão de enviado de Deus, para anunciar o seu desígnio de amor, fica anulada e desfeita.
Os processos de destruição de pessoas e das suas causas continuam com plena actualidade e, talvez, ainda mais sofisticados. Outrora como agora. Tanto em âmbitos familiares, como em instâncias religiosas ou na “arena” pública. A força do boato, o poder da intriga, a teia bem urdida dos interesses, a suspeita transformada em certeza, no tribunal da opinião publicitada e tantos outros, constituem pontas emergentes desta realidade demolidora e complexa.
Jesus aproveita a provocação para revigorar as forças debilitadas e reafirmar a sua identidade. Faz um ensinamento maravilhoso e surpreendente. Mostra o contra-senso da parceria com o diabo. A missão de que está incumbido consiste em eliminar as forças do mal, curando não apenas os que sofrem e as suas consequências, mas em sanar a raiz donde provêm essas forças, em restituir a integridade original, reabilitando a dignidade de todos, sobretudo das vítimas de tais agressões Ele é o mais forte e, embora tenha de pagar uma factura de morte, sairá vencedor com o troféu da mais-valia humana, de acordo com o sonho de Deus.
Abre horizontes novos à família de sangue, apresentando a família por opção. Os que aderem à vontade de Deus estabelecem, entre si, um vínculo novo que fraterniza, responsabiliza e solidariza. Para fazer parte da família de Jesus, é essencial ter a mesma atitude que Ele tem diante da vontade de Deus. Sigamos o seu exemplo, sejamos seus discípulos, pois desde o baptismo que lhe pertencemos.
Pe. Georgino Rocha