Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XIII do Tempo Comum
Ainda hoje, numa curva do caminho perto do lago da Galileia, junto a Cafarnaum, pode ler-se numa pedra a inscrição: «Aqui, neste lugar, a mulher considerada impura, mas cheia de fé, tocou em Jesus e ficou curada.»
O mar de Tiberíades é palco qualificado da missão de Jesus. Aqui ocorrem cenas marcantes que desvendam os segredos de que é portador: a pesca e a vocação dos apóstolos, a barca amarrada na praia e os horizontes novos abertos aos “pescadores” de homens, a travessia serena e a tempestade acalmada que confirma a suspeita dos discípulos inquietos e sobressaltados, a afluência de multidões ávidas do encanto da Palavra e carecidas de ajuda para as suas necessidades vitais. Mc 5, 21-43.
O encontro de Jairo, o chefe da sinagoga de Cafarnaum, dá-se precisamente à beira-mar. Ao ver Jesus, cai-lhe aos pés, gesto de profunda humildade e reconhecimento, e faz-lhe um pedido insistente: a minha filha está a morrer, vem impor-lhe as mãos, liberta-a dos males, faz com que viva, dá-lhe a salvação. A morte ameaçadora da saúde precária da filha personaliza a morte do ser humano, simbolizada na agitação dos mares revoltos e na turbulência dos “vendavais” da vida. O contraste não pode ser mais significativo: a puberdade, com a sua carga explosiva da vida, – a menina tem 12 anos, idade núbil – confronta-se com a iminência da lei da caducidade, do definhamento, da morte “inexorável”. E o alcance deste episódio percorre toda a história humana e suscita a mais viva indignação de quem aprecia a vida como dom inegociável, sem preço nem condição.
Jesus acede ao apelo de Jairo e vai a sua casa. No caminho acontecem dois episódios que a comunidade de Marcos regista nos seus traços fundamentais: O encontro da mulher que deseja ser curada da doença de fluxo de sangue e o “choque” provocado pela chegada de familiares do chefe da sinagoga. A mulher cansada de sofrer e prestes a desanimar – pois havia gasto nas mãos dos médicos “todos os seus bens “, menos a esperança – sente-se atraída pela fama de Jesus, mete-se na multidão, vai avançando até se aproximar d'Ele e, temerosa e destemida, toca-lhe no manto. Este gesto era severamente punido pela lei judaica. Mas superior ao rigor do castigo está o impulso da necessidade, a certeza do amor, a força da confiança que pressentem a possibilidade da cura desejada. E, de facto, assim acontece! O diálogo que se segue é enternecedor e pode ser condensado na declaração de Jesus: “Minha filha, a tua fé te salvou”. Ao trata-la assim reconhece a sua dignidade, reabilita a sua fama e introdu-la na sociedade que excluía tais doentes.
Nota histórica: Ainda hoje, numa curva do caminho perto do lago da Galileia, junto a Cafarnaum, pode ler-se numa pedra a inscrição: «Aqui, neste lugar, a mulher considerada impura, mas cheia de fé, tocou em Jesus e ficou curada.»
A cura tem um sentido novo. A libertação da anomalia funcional do organismo feminino abre horizontes novos: a mulher recupera a saúde, readquire o seu bom nome, a sua honra, sente-se perdoada e abençoada por Deus, pode fazer com normalidade as práticas religiosas, retoma os caminhos da salvação. Com a restituição da saúde fisiológica, muitos outros bens lhe são concedidos: a nível interior e exterior. A harmonia é refeita em todas as dimensões da pessoa. A cura é integral.
A atitude de Jesus continua cheia de actualidade em todas as áreas humanas, sobretudo nas da medicina da vida, dos cuidados de saúde, das pessoas e instituições envolvidas nos processos de pesquisa e circulação. Quem pode deixar de projectar, sobre a realidade social, a luz que brilha nesta forma de proceder? De facto, o homem não pode provocar a morte nem conformar-se com os processos que a ela conduzem.
Todavia ele torna-se cúmplice da morte ao longo dos tempos como se vê, hoje, nos meios de comunicação social, em cenas de violência, na poluição do ambiente e da natureza, na carestia de bens indispensáveis à subsistência, na distribuição selectiva das vacinas, no aborto, na eutanásia, em zonas de guerra aberta, na negação dos direitos dos migrantes e refugiados.
No entanto, Deus ama a vida como Jesus testemunha no seu proceder. A sua solicitude verifica-se em casa de Jairo. Indiferente à mofa dos circunstantes, Jesus aproxima-se da menina e, na presença de testemunhas, restitui-lhe a vida. “Eu te ordeno: Levanta-te”. Ela põe-se de pé imediatamente e começou a andar. O impacto é enorme: O riso e a mofa transformam-se em admiração, o alarido e as lamentações cedem lugar ao silêncio meditativo, a fé substitui o temor, a morte vê surgir a vida e a necessidade é satisfeita com o alimento solidário. Ordens semelhantes são necessárias para as mulheres maltratadas, os doentes sem assistência, os excluídos sociais, os imigrantes repudiados. Levantai-vos e ocupai o vosso lugar na sociedade. Homilética, 2021/4, 379.
Jesus mostra com clareza que Deus ama a vida, que das ocorrências humanas se pode tirar partido para abrir horizontes novos e servir as pessoas envolvidas, que a fé precede a obtenção do benefício pretendido – embora este venha a confirmar aquela - que a vida digna precisa de ser alimentada convenientemente. Belo ensinamento! Nobre missão!
Pe. Georgino Rocha