para a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus
Como tudo seria diferente se houvesse na Igreja e no mundo uma autêntica cultura do coração, a sugerir no húmus do nosso coração atitudes de vida consoantes à Vida no Coração de Deus!
A melhor representação do Coração de Jesus é o Senhor crucificado, deixando sair do seu lado, aberto pela lança, o sangue e a água, figura dos sacramentos da Igreja e metáfora das feridas da nossa humanidade. Como figura exposta mostra o amor fonte de vida e de salvação; mostra, de forma sublime, a doação plena e perpétua de continuar na Igreja e de estar acessível a cada homem/mulher que, pela fé, O descobrem como salvador de quem se sente perdido e guia de quem procura um sentido digno para a vida, sua e de todos os humanos. Os sacramentos básicos da Igreja nascem de um facto histórico presenciado pelo autor do evangelho de São João: “Vendo-O já morto o soldado trespassou-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água”. Estes sacramentos são a eucaristia e o baptismo, alicerces de toda a vida cristã.
José Manzano lembra que a mensagem deste dia espera resposta da nossa parte. “Hão-de olhar para Aquele que trespassaram”. Necessitamos ver com os olhos do coração e passar de cálculos e números a rostos humanos, com nome, voz e vez. Quando se olha com o coração, as pessoas deixam de ser estranhas e convertem-se em irmãos que reclamam, com a sua palavra ou com os seus silêncios, o nosso amor. Necessitamos viver de maneira nova, neste mundo e nesta hora, fazendo presente à nossa volta um amor parecido ao que Jesus mostra. Um amor desmedido, que não leve em conta os desprezos recebidos, mas que se viva com a força da generosidade; um amor paciente, um amor serviçal, um amor que tudo suporta e espera tudo…
E como não somos capazes de o conseguir plenamente, somos convidados a olhar o Senhor, porque a nossa fonte está n’Ele. E remontar até Ele que é a origem da nossa vida, embora às vezes vamos em contracorrente., Homilética, 2021/3, 326
A lança apontada ao Coração de Jesus abre feridas que perduram na humanidade ao longo dos tempos. O sangue de tantos inocentes continua a regar a terra: mártires da fé, presos de consciência, desprezados da vida, excluídos sociais e de cuidados de saúde, fugitivos de situações de secas, miséria e guerra, famintos e sedentos, famílias destroçadas e tantos outros a quem se oculta o nome e se esquece o número.
São João centra a apresentação da cena do Calvário no episódio da lança que trespassa o Coração donde jorra sangue e água. Esta atenção vai germinando no coração dos fiéis, dá origem a jaculatórias, devoções e a ícones, a igrejas sob a invocação do Sagrado Coração de Jesus, a associações e movimentos, a aparições.
O Papa Clemente XIII, em 1765, aprova, após um longo tempo de difusão da mensagem das aparições a Santa Margarida Alacoque que despertam uma consciência mais viva no amor de Cristo pela humanidade. Esta devoção, afirma Tierry Maertens, grande liturgista e teólogo, foi «o meio providencial» pelo qual o Povo de Deus reagiu «contra uma concepção excessivamente rigorista das relações entre Deus e o homem – concepção que levada às suas últimas consequências, seria o renascer da ideia pagã de um Deus vingador e, portanto, a anulação da história da salvação e da incessante misericórdia divina».
A piedade cristã focaliza-se em contemplar o Sagrado Coração de Jesus. Um coração manso, humilde, disponível, acolhedor que vai ao encontro das pessoas aflitas e oprimidas. Coração pronto a oferecer gratuitamente compreensão e amor, que na sua infinita bondade atende as mais diversas súplicas, desabafos e angústias.
Amar à maneira de Jesus faz nascer uma nova cultura que urge promover, a cultura do coração que se pode configurar com traços marcantes do nosso dia-a-dia. Enunciam-se alguns inspirados no texto de Manuel Barbosa, sacerdote dehoniano: Viver em cordialidade, feita de acolhimento e hospitalidade, proximidade e acompanhamento, como resposta às necessidades e expectativas do mundo, vendo a realidade existente com olhos novos da fé, afinal o olhar do coração.
Semear e construir misericórdia, convivendo com o mundo, na constante procura do fraterno diálogo, tornando-se instrumentos de perdão e de reconciliação, fomentando a harmonia e a paz.
Globalizar o amor como alma das famílias, das comunidades, da sociedade, abrindo o coração a todos sem aceção nem exclusão, fazendo do Coração de Cristo o centro a que importa sempre regressar.
Num mundo sem coração, a marca do Coração de Cristo, plena expressão do Amor de Deus derramado em nós no seu Espírito, não será a mais apropriada?
Como tudo seria diferente se houvesse na Igreja e no mundo uma autêntica cultura do coração, a sugerir no húmus do nosso coração atitudes de vida consoantes à Vida no Coração de Deus!
Pe. Georgino Rocha