Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo IX do Tempo Comum
Após o Tempo Pascal, a liturgia retoma o tempo comum para nos proporcionar a oportunidade de celebrar o que Deus em Jesus faz por nós por meio do Espírito santo. No encontro da despedida Jesus, depois de afirmar a sua autoridade, diz aos discípulos: “Ide e ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. E dá-lhe a garantia de estar sempre com eles até ao fim do mundo. Grandiosa missão! Estimulante garantia! Mt 28, 16-20.
É missão que inicia os candidatos à vida cristã em dois “momentos” mais significativos do seu itinerário para a maturidade: o anúncio jubiloso da novidade de Cristo e a celebração do baptismo e do crisma. É missão a prosseguir na comunidade eclesial e sociedade civil, em todos os espaços de convivência humana. Assim, é em nome da Santíssima Trindade que a Igreja desenvolve a sua acção: aprendendo e ensinando, sendo santificada e santificando, deixando-se amar e irradiando o amor. A fonte original é Deus família, é trindade em relação, é cada pessoa em comunhão.
A narrativa evangélica fala de pessoas não de conceitos. Porquê? Para nos convidar a entrar em relação com Deus, com os outros e connosco, a ter cuidado por toda a criação, nossa casa comum. O Pai é um nome estranho para falar d’Aquele que nunca ninguém viu. Chamar a alguém «Papá» envolve-nos num registo familiar, terno e estruturante. Entrar em relação com Deus faz crescer. O Filho é o nome que preferimos dar a Jesus, um homem de relação. Ele considera toda a mulher/ homem como uma irmã(o). Entrar em relação com Jesus abre-nos a uma fraternidade universal. O Espírito Santo é o sopro vital que nos habita e nos abre ao Infinito. Em nós, há Alguém maior que nós. Entrar em relação com o Espírito faz-nos entrar em relação com a santidade. Tierry. Vers Dimanche.
Jesus não pretende que os discípulos compreendam ou decifrem o mistério, apesar de frequentemente lhe fazer referência. Ele conhece bem o limite humano, a reduzida medida a que pode chegar a inteligência racional, apesar da força do desejo que tanto quer “tocar” e dominar o mistério. Este permanece inabarcável e transcendente, sedutor e atraente.
Santo Ireneu, “como mestre da fé, fala das duas mãos de Deus: O Pai actua por meio de suas duas mãos; o Filho e o Espírito Santo: As duas mãos actuam conjuntamente”. Bela imagem que a iconografia reproduz para nos fazer ver o humano da Trindade.
E prossegue: “A Igreja toda aparece como povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo” LG 4. Reunidos à volta da Mesa do Senhor e à luz do Evangelho, afirmamos que, à cabeceira da Mesa, está o Pai. À direita, o Primogénito que nos passa o seu abraço de amor e reúne na unidade do Espírito Santo. E dos lábios dos irmãos reunidos brota a aclamação agradecida: Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”, aclamação que é resposta à saudação do celebrante: A graça de Deus, nosso Pai, o amor de Cristo e a comunhão do Espírito Santo, estejam convosco. Estamos em família. Somos família.
O espaço para o encontro da Trindade é o coração humano, a consciência pessoal, a relação comunitária, a fraternidade universal. Aqui se espelha e actua o mistério; aqui a pessoa acolhe, contempla, “saboreia”, admira, extasia-se perante a realidade inebriante que lhe é dado experienciar e celebrar já, em sinais e ritos, em gestos e atitudes, ainda que em porções reduzidas e momentos fugazes.
O coração vê mais longe e reconhece os vestígios de Deus trindade de pessoas nas aspirações que o marcam e impulsionam a “ir mais longe”, ao encontro do Pai, a escutar com redobrada atenção a palavra do Filho, a deixar-se envolver progressivamente pelo amor do Espírito Santo. O coração humano espelha, a seu modo, e irradia, a seu jeito, a relação que torna acessível, a comunhão entre a Trindade das pessoas divinas que constituem a “família” original. O nosso coração tem uma matriz familiar; dela provém e para ela tende. Por isso, nela quer viver.
Jesus ordena aos seus discípulos que vão por todas as nações anunciar esta novidade única: Deus é uma comunidade santa, próxima e familiar, que nos convida a beneficiar dos seus dons, a cooperar na realização da sua proposta de salvação. A festa da Trindade é a festa da humanidade que reconhece a matriz original donde “procede”, sobretudo a Igreja de Jesus de quem é testemunha e agente credenciados. A festa da Trindade revela-nos a dignidade do ser humano, especialmente do ser cristão chamado a viver na confiança filial, na amizade fraterna e na doação generosa. Por isso, está em sintonia com o dinamismo trinitário quem vive do amor que se faz serviço incondicional e generoso. Vive esta alegria jubilosa!
Pe. Georgino Rocha