Reflexão de Georgino Rocha
para esta quaresma
A CAMINHO DA PÁSCOA
O gesto de Jesus, usando o chicote de cordas para expulsar os vendilhões do templo, seguido de diálogo que pretende ser esclarecedor, provoca tal “confusão” que é preciso o autor do texto vir dizer que “falava do santuário do seu corpo”. E não era para menos. O chicote do Messias, segundo uma expressão rabínica, constitui um símbolo da chegada dos tempos messiânicos: Pela purificação das intenções dos corações e pela reposição da função das coisas que, necessariamente, comportam aflição e sofrimento. Jo 2, 13-25
Ao ver o espetáculo do que acontecia – o mercado havia dominado o glorioso Templo de Jerusalém – enche-se de coragem e liberta os sentimentos mais impulsivos e vibrantes. Indigna-se. E segue-se a acção demolidora das mesas de comércio, o menosprezo pelo dinheiro e a expulsão dos cambistas, a retirada dos animais e das aves. “Não façais da casa de meu Pai um covil de ladrões” – adianta como exortação e denúncia.
E, ao ver-nos hoje a nós e às situações concretas em que vivemos, como reagirá? Que terá de expulsar do nosso coração e sua relação com o dinheiro, da nossa sociedade e sua atenção aos mais frágeis, da nossa Igreja e seus rituais que tardam a abrir-se aos desafios dos tempos?
O gesto de Jesus tem um grande alcance profético. Atinge o “coração” da ordem estabelecida legitimada com o recurso à tradição. Centrada no sagrado, esta ordem tem, no Templo, a sede do poder económico, pelo comércio que nele se faz, do poder político, já que nele se reúne o sinédrio que toma decisões; do poder religioso, uma vez que nele se sacrificam os animais para a oferenda. Com os abusos transforma-se de casa de Deus para a oração, em mercado para os negócios. Este é o “nó górdio” que Jesus pretende desatar, de modo que a casa de Deus seja casa do seu povo, reunida em assembleia de irmãos, que celebra o mesmo culto e escuta o mesmo ensinamento. Sem este centro, que solidez pode ter a organização político-religiosa imperante?! A reacção de defesa é imperiosa, normal.
As autoridades pedem-lhe um sinal comprovativo da sua acção demolidora. Querem embaraçá-lo e dispor de mais um argumento para o incriminar. Jesus responde, adiantando o erguer, em três dias, do Templo que havia sido destruído. Os judeus entendem o sentido literal da afirmação de Jesus – o templo de pedra, a glória da Cidade Santa. E reagem em consequência. Jesus refere-se a outro santuário – o do seu corpo – que havia de ser erguido na ressurreição, após três dias de paixão, crucifixão e sepultura. Morte e ressurreição surgem como caminho a percorrer para chegar ao reconhecimento do corpo humano como santuário de Deus. E Jesus ao fazê-lo, presta o maior serviço da sua missão, realiza a suprema manifestação da sua doação.
A Irmã Ann, religiosa da Ordem de São Francisco Xavier, ajoelhou-se perante os militares e suplicou-lhes. «Em nome de Deus, poupai aquelas jovens vidas. Levai a minha»…«Não disparem, não matem sangue inocente. Se quiserem, atinjam-me a mim». O episódio ocorre na antiga Birmânia, hoje Myanmar, país dominado por uma ditadura que persegue quem se manifesta pela liberdade e democracia. «Caritas Christi urget nos», proclama a Irmã, em jeito de explicação do seu gesto corajoso.
O corpo, destruído pelas autoridades, mas ressuscitado pelo Pai, é o novo Templo, em que habita Deus, é Jesus Cristo que nos incorpora em si, pelo baptismo, e nos faz membros da sua Igreja. A partir desta incorporação, cada cristão vê reforçada a dignidade natural do seu corpo, reconhece o valor inestimável da sua consciência, elevada a santuário, onde pode encontrar-se com Deus, sente-se chamado a desenvolver todas as suas capacidades, a estar disponível para servir os outros à maneira de Jesus Cristo e a ser peregrino de um futuro já saboreado em gérmen, mas aberto à plenitude definitiva.
O Papa Francisco encerra, hoje, a Visita Apostólica ao Iraque. Visita arriscada, mas o amor é mais forte que o perigo. Para o presidente internacional da Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), a visita do Papa é um “sinal de esperança”… “Esta viagem é um sinal de proximidade e preocupação do Papa pelos cristãos do Médio Oriente. A visita vai fortalecê-los e dar-lhes novas razões para permanecer na sua terra natal”; e Thomas Heine-Gelder acrescenta, “sem o apoio do Santo Padre e da Igreja, estas comunidades que foram o berço do cristianismo, estão ameaçadas de extinção”… “A sua visita enche-nos de grande alegria e gratidão». Os cristãos no Iraque esperaram esta notícia com expectativa”.
Pe. Georgino Rocha