Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo V do Tempo Comum
Jesus anda por terras de Cafarnaúm, segundo a narrativa de Marcos. Mc 1, 29-39. Vive uma jornada intensa de trabalho. Sai da sinagoga e vai a casa de Simão. Encontra, com febre, a sogra deste. Estende-lhe a mão e ela fica curada. Depois, ao cair da noite, depara-se com muitas pessoas atormentadas por diversos males. Cura umas e liberta outras. A sua fama vai aumentando. O estatuto social do carpinteiro de Nazaré começa a ter novo apreço. E ele tem de travar o “falatório” para não antecipar o ritmo normal da realização do seu projecto. Recolhe-se, por isso, em oração, para verificar a sintonia com o querer de Deus-Pai. Deixa aquelas terras e vai para as povoações vizinhas. É preciso anunciar que o reino de Deus está em realização. Há que ser coerente e não parar nos primeiros passos.
“O encontro de Jesus com os doentes, apresentado nesta página do Evangelho… que fala de atividade… de cuidados (tratamentos) e de cura dos que sofrem, comenta Manicardi, é instrutivo para o discurso espiritual cristão sobre a doença e o sofrimento. Jesus não prega resignação, não pede para oferecerem o sofrimento a Deus… Jesus luta contra o mal, procura fazê-lo recuar e devolver a saúde à pessoa. Ele apresenta-se como «médico» Mc 2, 17)”.
As pessoas atormentadas sofrem horrivelmente. Job é o rosto humano de tal situação. As expressões que usa são bem elucidativas: vida dura e cruel, sofrimento atroz, noites intermináveis de amargura, dias breves de esperança, amanhecer sem aurora, angústia e morte. Como Job, tantos milhões de pessoas neste tempo que é o nosso! O sofrimento manifesta-se em doenças de todo o tipo, em calamidades devastadoras, em injustiças organizadas, em humilhações aos “sem tecto” e aos desempregados, em guerras provocadas, em carências de bens de primeira necessidade, em discórdias e tensões, em escalas invertidas de valores, em inseguranças para viver a liberdade, na pobreza ética do sentido da vida que provoca o sofrimento mais cruel, a pandemia, a eutanásia.
Este breve enunciado, demarca bem algumas áreas de intervenção próprias dos cuidados de saúde, da economia, da política, da medicina, da educação, dos meios de comunicação. Também aqui será necessária a convergência na acção, tais as urgências e os dramas humanitários; a educação e sabedoria dos mais velhos.
Cecília Rodrigues, cantora lírica, soprano do Coro Gulbenkian, assume a arte como a “melhor forma de descrever o divino no humano”, numa clara experiência de “transcendência”. Cresceu com música em casa – o seu pai é cantor lírico – daí que a sua forma de “olhar o mundo” seja marcada pela arte musical.
“Não consigo separar a fé e a música e cada vez encontro essa junção mais clara. Comecei a cantar na igreja. Das coisas mais antigas que me lembro é ir para a igreja cantar, o meu pai com a viola e nós na missa a cantar”, recorda em «Novas Conversas» na Ecclesia.
Job recorre ao Senhor e clama pela sua memória. Abre uma pista para decifrar este complexo enigma. As curas de Jesus são sinais da realidade nova que está a acontecer. A ressurreição culminará este processo de transformação radical. A Igreja e, nela, os cristãos recebem a missão de serem testemunhas do que vai ocorrendo em forma germinal e, dentro do possível, criar condições favoráveis ao seu desabrochar promissor.
As pessoas atormentadas merecem toda a atenção solidária de Jesus: acolhe, aproxima-se, toma pela mão, levanta e põe de pé, aceita serviços, dialoga, integra na sociedade, abre-lhes horizontes de liberdade, deixando-os avançar nos caminhos da vida. Realiza as curas também ao sábado, embora fosse proibido, mas a pessoa vale mais que esta instituição religiosa. A atenção de Jesus é fruto do seu amor incondicional que quer vida para todos, que supera toda a descriminação, que pretende saciar o mais íntimo do ser humano, que reconfigura a nossa imagem divina e nos faz filhos de Deus.
Estranho modo de proceder, mas é o mais eficaz para vencermos a indignidade do mal e vivermos em sintonia com Deus e na bondade e beleza da sua graça. O sofrimento por amor faz crescer a nossa humanidade.
Celebra-se a 11 de Fevereiro o Dia Mundial do Doente a que o Papa Francisco dedica a mensagem «Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos» (Mt 23,8). O Papa convida a “estabelecer um pacto entre as pessoas carecidas de cuidados e aqueles que as tratam”.
“Um pacto baseado na confiança e no respeito mútuos, na sinceridade, na disponibilidade, de modo a superar toda e qualquer barreira defensiva, colocar no centro a dignidade da pessoa doente, tutelar o profissionalismo dos agentes de saúde e manter um bom relacionamento com as famílias dos doentes”.
Pe. Georgino Rocha