para o Domingo II do Advento do Natal
Que estranha figura, escolhe Marcos, para abrir o cenário do início à narração do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus! Que protagonista desconcertante nos vem fazer apelo tão interpelante e dar notícia tão alegre! Que multidões, dos campos e de cidades, cheias de expectativas, acorrem a ouvir João Baptista e os seus exigentes apelos de conversão!
Estas exclamações contêm interrogações que encontram resposta na proclamação da mensagem que nos chega dos cristãos de Roma e foi redigida um pouco antes da destruição do Tempo de Jerusalém (ano 70 da nossa era). Mc 1, 1-8.
“A sua mensagem é um testemunho vivo de um homem que está consciente das prioridades e não dá importância aos aspectos secundários da vida como sejam roupas de marca, comer ou beber. Ser mensageiro que prepara o caminho para o Messias, denuncia o pecado, anuncia o perdão e dispõe o homem a converter-se”. A. G. Dalla Costa, CS, Brasil.
A figura de João é estranha, desconcertante, irreverente, subversiva. A sua retirada para o deserto assemelha-se à de Elias: contestação dos critérios imperantes nas classes dirigentes, políticas e religiosas, denúncia do sistema social estabelecido, apelo veemente à transformação da estruturação da sociedade e ao estilo de vida sóbria, reduzida ao essencial. O deserto surge como espaço de encontro com Deus, propício para escutar a voz da consciência em suas aspirações fundamentais, distante dos interesses e dos privilégios dos poderosos, liberto de temores e de represálias, das simples aparências.
O seu vestuário acentua a semelhança com o profeta da “limpeza” religiosa, do regresso à pureza das origens, da autenticidade nas relações amigáveis de uns com outros, do culto genuíno a Deus. A voz autorizada de João devia ser escutada; ele era o grande profeta esperado pelo povo. Afirma a sua missão de precursor, de quem vem a preparar os caminhos e a querer endireitar as veredas entortadas pelos desvios sociais e religiosos.
A sua preferência pelo alimento, que nasce e cresce no deserto. é sintomática: recusa do que nasce da sociedade corrupta, da “rede” comercial fraudulenta, da injusta repartição e exploração da terra. O deserto, na sua nudez austera, oferece uma alternativa simbólica: a de buscar o essencial puro e autêntico, o indispensável que evita pesos na viagem e facilita a travessia.
João, homem íntegro e consistente, anuncia uma mensagem libertadora: Vai chegar quem é mais forte do que eu. Mais forte no testemunho do amor e do serviço; na denúncia da riqueza que “amarra” o coração e a disponibilidade; na defesa da vida e dos seus direitos e deveres humanizados; na frontalidade serena com que se opõe aos exploradores dos humildes e simples do povo; na entrega, sem reservas, à missão que o Pai lhe confia.
Mais forte do que eu pelo Espírito que transforma e anima. A boa nova é Jesus, o Filho de Deus que se faz humano para nos ensinar a viver e apreciar a nossa comum humanidade e nos desvendar a sua fonte inesgotável: o amor de Deus Pai, fundamento da nossa confiança filial, da nossa comum fraternidade.
Marcos, com sentido profético, adverte-nos de que faz apenas o início do Evangelho de Jesus; início que não pode acabar com a escrita do texto, mas tem de continuar em todos os tempos, particularmente nos tempos mais difíceis, de perseguição ideológica, de progressivo despojamento de tudo, até da própria vida. Vivemos estes tempos em muitos países, também entre nós, ainda que em surdina, mas com efeitos visíveis. Por isso, continua a urgência de fazer soar a boa nova da espera activa e vigilante, sobretudo nestes tempos de pandemia.
Acolhamos a recente mensagem dos nossos Bispos: “O Deus do Advento vem para o meio desta pandemia, pega na nossa mão, muda o nosso coração e envia-nos a mudar a situação. Está aberta a oficina do Advento: enquanto uns se afadigam na vacina, outros nos hospitais, outros nos lares, nas farmácias, na padaria, empenhemo-nos todos em encher este mundo de Paz, de Esperança e de ‘Bom-Dia’, à imagem e sob a proteção maternal de Maria”.
Pe. Georgino Rocha