Reflexão de Georgino Rocha
para o XXVI Domingo do Tempo Comum
As autoridades andam preocupadas e dão sinais visíveis de animosidade. E não era para menos. No templo, coração da religião e centro principal da economia, o Nazareno desafiava tudo e todos: expulsa os comerciantes, derruba as mesas dos cambistas e parte as cadeiras dos vendedores de pombas; acaba com o negócio explorador, denuncia a atitude dos que fazem do templo um covil de ladrões e realiza gestos de cura a cegos e a aleijados, gente marginalizada pela classe dirigente. Cita, em jeito de justificação, a Escritura: “A Minha casa será chamada casa de oração”.Mt 21, 28-32.
Perante tal atitude, os responsáveis do templo aproximam-se de Jesus e pedem explicações, fazem-lhe a pergunta chave: Para procederes desse modo, que autoridade tens e donde te vem? A questão é séria. Está em causa a legitimidade, a honra e a honestidade, que são a base da sociedade de então. A autoridade consiste na capacidade de influir nos comportamentos dos outros e pode provir do nascimento e da posição social alcançada. O seu exercício era credível se o falar e o agir em público estivessem proporcionados ao estatuto social. Se não, era necessária outra forma de legitimação válida. De contrário, surgia a acusação de a pessoa estar inspirada pelo demónio.
Jesus de Nazaré tinha de se justificar. Recorre a um modo de proceder peculiar e sagaz. Responde com uma pergunta, lançando assim um desafio a quem o interrogava. O recurso à pergunta-desafio resulta plenamente. “O baptismo de João provém de Deus ou dos homens”? Depois de uma discussão clarificadora e calculista, respondem: “Não sabemos”. É que fosse qual fosse a resposta, o comportamento adoptado por estes não era coerente e responsável. De facto, se dissessem: “De Deus”, vinha a réplica: por que não o aceitastes? Ou “dos homens”, temiam a reacção do povo que reconhecia João como profeta. A pergunta hábil do Mestre surtira o efeito desejado. E para o ilustrar Jesus vai mais longe e conta a parábola do pai que diz aos dois filhos para irem trabalhar para a vinha familiar. E surge, de novo, em foco a questão de saber quem procede com coerência e responsabilidade. O Mestre Nazareno “força” a resposta, introduzindo a parábola com a interrogação:
Que vos parece”? E acertaram em cheio no parecer dado.
De facto, está em maior sintonia com o Pai quem, apesar de dizer não inicialmente, muda de opinião e vai para a vinha; ao contrário, o outro que acaba por não ir, embora tendo-se mostrado a princípio disponível. A capacidade de mudança é uma das grandezas da liberdade humana. Em qualquer fase da vida pode surgir a oportunidade. É preciso estar atento, deixar-se interpelar e não perder o desafio.
Ao comentar a atitude do filho que respondeu não e depois se arrependeu, afirma Manicardi, prior da Comunidade Monástica de Bose: “Naquele «mudar de ideia» está o diálogo interior, está a tomada de consciência da realidade, está a audácia de olhar de frente para si próprio, passo preliminar essencial para o agir responsável, Em suma, está o início do movimento em direcção à responsabilidade da decisão… Nesse sentido, longe de ser um sinal de fraqueza, o arrependimento é sinal de coragem e de força”. A história regista nomes incontáveis de pessoas convertidas.
Jesus, no desejo intenso de abrir os corações dos interlocutores, aduz o exemplo dos publicanos e das prostitutas. São como o 2º. filho da parábola: do “não” inicial passam ao “sim” generoso e entram no reino dos céus antes de quaisquer outros; os “herdeiros” por excelência deste reino assemelham-se ao 1º. filho e, por isso, são preteridos. Os chefes entenderam bem o ensinamento e, em vez de aceitarem a mensagem e se converterem, aumentaram a vontade de, logo que possível, eliminar Jesus.
Com qual dos filhos nos identificamos? Sinceramente, confesso que, embora haja ocasiões em que partilho da atitude dos dois filhos, faço esforços sérios por me aproximar mais ao terceiro, o narrador da parábola, a Jesus de Nazaré, apesar de tantas limitações. Ele é o Filho muito amado pelo Pai, o sim de Deus a cada um de nós e a todos. Ele é o sim da humanidade a Deus, dado de forma plena e definitiva, coerente e responsável.
Pe. Georgino Rocha