Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XXIII
O Evangelho deste domingo faz parte do capítulo que Mateus, o autor do relato, dedica à vida da Igreja enquanto comunidade realizada num espaço e no tempo. Centra-se no relacionamento entre os seus membros e estabelece uma espécie de escala para o caso de haver desavenças ou pecados entre eles. Mt 18, 15-20.
Como restabelecer a relação fraterna se foi quebrada e se o pecador persiste na obstinação? Vamos deter-nos nalguns passos a dar (a correcção ou promoção fraterna), procurando abrir horizontes de reconciliação e perdão.
Há sentimentos e atitudes indignas: ser tolerante passivo, agravar a emoção sentida e alimentada, pagar na mesma “moeda”, retaliar com vingança, excluir o indesejado do círculo de relações, deixar “cair os braços” e esperar que uma crosta se imponha e gere a indiferença. Ou pura e simplesmente, recorrer ao tribunal civil que, apesar da sua nobre função, não resolve questões de consciência.
A tolerância activa é uma atitude de profundo respeito que revela lucidez e coragem, ponderação e sentido de oportunidade. Não é sinónimo de imposição incriminatória, nem de reacção moralista e uniformizadora. Pelo contrário, traduz o reconhecimento da dignidade ferida, da convivência desfeita, da relação cortada naqueles que estão chamados, por natureza e pela bênção de Deus, à harmonia das diferenças legítimas no todo da humanidade. Quando degenera, dá origem ao tolerantismo que, indiferente ao bem comum, deixa andar as “coisas” ao sabor da corrente, tenha ela o colorido que tiver.
A convivência na sociedade e, ainda mais, na comunidade cristã (familiar, paroquial, diocesana) conta sempre com as atitudes mais nobres e sadias das pessoas. Os caminhos, antes de chegar às autoridades, passam pela aproximação e confiança, pelo relacionamento e diálogo, pelo reconhecimento e aceitação incondicional do outro. Neles se encontra Deus a dar suporte ao esforço e a alimentar a persistência e ousadia.
“O Senhor nos dá a cada um a capacidade de realizar verdadeiros milagres, afirma Tolentino de Mendonça. No evangelho de hoje, nos mostra alguns: a experiência de celebrar o perdão, a capacidade para unir e separar, a eficácia da oração comunitária, a consciência da presença de Jesus no meio de nós”.
O perdão surge como a atitude mais nobre no processo histórico de refazer os laços quebrados por ofensas humanas. Antes da pena de Talião – olho por olho e dente por dente – a medida da vingança era desproporcional à ofensa. Depois, ganha raízes a solidariedade que une os irmãos entre si e entre os judeus, membros da mesma raça. Finalmente, a mensagem cristã apresenta o exemplo admirável de Jesus de Nazaré e do movimento por ele iniciado – a Igreja.
O perdão de Jesus é para todos, até para os seus inimigos e algozes. A súplica do Calvário fica como testemunho da sua vida e lema emblemático do comportamento dos seus discípulos. Estêvão, Paulo de Tarso, e tantos outros, sem esquecer São João Paulo II que vai à prisão em gesto de misericórdia para com Ali Acqa, (que havia atentado contra a sua vida) constituem exemplos luminares desta atitude sanante que muitos realizam na maior simplicidade e discrição.
A consciência humana foi evoluindo e atingiu uma fase de humanização jurídica no que diz respeito às pessoas que praticam actos ilícitos. A justiça tem leis que a legitimam. E ainda bem! Oxalá a sua prática as honre. Não se pode ignorar o crime em todas as suas formas, a desfaçatez e a arrogância em todos os seus modos que espezinham a dignidade dos outros e o valor dos seus bens, a corrupção, a fraude e tantas outras “ofensas” à dignidade humana, ao bem comum da sociedade e ao Estado de direito.
A atitude cristã acolhe e promove a justiça, como passo fundamental do processo de reconciliação. No entanto, o horizonte humano permanece aberto a novas dimensões, das quais se destaca o perdão incondicional, proporcionado por quem é ofendido, ao seu ofensor.
Pe. Georgino Rocha