Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XIX do Tempo Comum
Exortação revigorante dirigida a pessoas amedrontadas. Exortação firme e determinada, num contexto de perigo iminente. Exortação clarificadora de fantasmas possíveis e identificadora de rostos perdidos na noite.
A cena ocorre no mar de Tiberíades. Os intervenientes principais são Jesus de Nazaré e os discípulos que se deslocam numa barca e já estão longe da terra. A ocasião surge no percurso da travessia. A circunstância é a da tempestade ameaçadora. E os gestos e as palavras que se percebem são de gritaria e de pânico. E não era para menos! Mt 14, 22-33.
“Esta narração do Evangelho, adianta o Papa Francisco, contém um simbolismo rico e faz-nos reflectir sobre a nossa fé… A invocação de Pedro, «Senhor manda-me ir ter contigo!», e o seu grito, «salva-me, Senhor» assemelham-se ao nosso desejo de sentir a proximidade do Senhor, mas também o medo e a angústia que acompanham os momentos difíceis da nossa vida e das nossas comunidades, marcadas por fragilidades internas e dificuldades externas”.
Ter medo é humano. Demonstra-o a reacção dos discípulos que fica como metáfora plástica de tantas outras situações em que a vida ou algum bem apreciável está em perigo. Sirva de ilustração a precariedade laboral e o risco de desemprego, a incerteza face ao futuro, as catástrofes naturais, a doença prolongada e a aproximação da morte, o abandono e a solidão, a perda de sentido para a vida, o silêncio aparente de Deus, o fracasso final da existência. Há razões sérias para fazer experiências de medo. Importa assumir o facto e saber tirar os possíveis ensinamentos.
O medo proporciona oportunidades para o ser humano se conhecer melhor, medir as próprias forças, saber até onde pode ir nas suas aventuras e conter-se nos seus impulsos e desejos; avaliar o ambiente que o rodeia, suas energias positivas e seus elementos destruidores; adquirir mais consciência do valor do outro e procurar formas adequadas de relacionamento.
No entanto, o medo pode ser extremamente perigoso ao tomar conta da pessoa, ao instalar-se no coração, ao apoderar-se da razão, ao invadir a consciência, ao condicionar a liberdade. O caso de Pedro que se vai afundando é paradigmático. A pessoa amedrontada pensa só em si, esquece a sorte dos demais, perde a noção das circunstâncias e não adverte nas suas causas. Curiosamente, fica impossibilitada de sair da situação. Então clama angustiada e confiante.
A terapia do medo bloqueador surge clara no episódio da barca assolada pelos ventos, prestes a afundar-se, e na atitude dos discípulos, sobretudo de Pedro: aceita a mão de Jesus que o segura, caminha ao seu ritmo, regressa ao grupo. Então, uma voz se ergue em tom exortativo: Tende confiança. Sou Eu. E amainam os ventos, desfaz-se a fúria das ondas. Experimentar a força desta presença amiga é a melhor terapia do medo. Ninguém está só nas suas tribulações. Exemplos luminosos desta certeza confiante ficam na história nos testemunhos de doentes crónicos, de condenados em campos de concentração, de mártires da consciência e da fé, de vítimas da pandemia.
“Jesus salva Pedro, afirma Manicardi, com um gesto e uma palavra: estende a mão e agarra-o, ao mesmo tempo que o censura pela sua pouca fé. Jesus salva censurando e censura salvando. No espaço eclesial a correcção fraterna, a reprovação segundo o Evangelho, é sempre um acto que combina misericórdia e verdade, compaixão e «parresia» (franqueza), amor pelo irmão e obediência ao Evangelho”.
Também os discípulos de todos os tempos escutam em tons diversos a ressonância à palavra de Jesus: Ânimo, coragem, sou eu! Serenai o vosso espírito, recuperai o controle das emoções, saboreai a bonança que vem depois da tempestade, apreciai a brisa suave, rumai a terra firme onde nos espera a multidão desejosa de ouvir o relato da nossa experiência tormentosa que dá consistência à adesão filial de cada um ao amor de Deus Pai.
A valentia do cristão nasce desta experiência e alimenta-se desta certeza. São João da Cruz, num dos seus poemas místicos mais notáveis, atesta-o maravilhosamente: “Se me colhe a tempestade e Jesus vai a dormir na minha barca, nada temo porque a Paz está comigo”.
Pe. Georgino Rocha