sexta-feira, 17 de julho de 2020

Deixai-os crescer juntos até à ceifa

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo XVI 



Jesus insiste no recurso às parábolas para dar a conhecer a novidade do reino de Deus em relação às situações vividas pelos seus ouvintes e, por meio deles, às gerações de todos os tempos. Mateus – o evangelista narrador – agrupa em sete a série do início da missão e termina-a com uma pergunta aliciante aos discípulos: “Compreendestes tudo isto?” E como a resposta é afirmativa, acrescenta que quem se torna discípulo do Reino “é como um pai de família que tira do seu baú coisas novas e velhas”. Ou seja a novidade não anula os valores já contidos nas tradições judaicas/Lei e em outras culturas, mas dá-lhes pleno sentido, purificando-os de interpretações desviantes e elevando-os a sinais transparentes do projecto de salvação, de que o reino é configuração singular.
O Papa Francisco, no comentário deste domingo, afirma: “Entre as parábolas presentes no Evangelho de hoje, há uma bastante complexa, cuja explicação oferece aos discípulos: é a do trigo e do joio que enfrenta o problema do mal no mundo, pondo em evidência a paciência de Deus” … A paciência evangélica não é indiferença diante do mal; não se pode fazer confusão entre o bem e o mal”. 
“Deixai-os crescer juntos até à ceifa”, continua o texto de Mateus o autor do relato Mt 13, 24-30. Jesus coloca na boca do dono do campo esta sentença que é, ao mesmo tempo, conselho e exortação, ordem e ensinamento que perante a impaciência dos criados que, intolerantes, querem arrumar a questão nuclear da parábola: limpar a erva daninha para que o bom trigo cresça e dê fruto sadio abundante. A lógica da razão parece estar com eles: Por que haviam de continuar a “roubar” energias, a ocupar espaços, a prender os rebentos e as hastes do trigo germinado que precisam de condições favoráveis para que surjam e amadureçam as espigas? No campo não devia haver lugar para a cizânia infiltrada, fruto da malvadez de algum inimigo que agiu a coberto da noite. O tempo do crescimento é limitado e tudo aconselha a saber aproveitá-lo bem, a agir sem demora.
A esta lógica, razoável humanamente, sobretudo na perspectiva da produção, contrapõe Jesus o respeito tolerante para com a realidade, a liberdade dos protagonistas, a paciência resistente para com as leis do tempo e do comportamento do possível inimigo, o discernimento cuidado na hora da recolha, a atenção desvelada e a alegria esfuziante para com os ceifeiros que enchem de bom trigo os celeiros. Estes traços vão configurando o rosto de Deus que Jesus apresenta no agir humano narrado em parábolas.
Mateus recorre ao contraste para realçar a novidade: Noite da cizânia e dia do trigo; inimigo anónimo e dono conhecido e amigo do campo; pressa de limpeza dos empregados e paciência benevolente do senhor do campo e mestre na interpretação das leis da natureza, da experiência da vida e das lições da história; espontaneidade emocional reactiva e auto-domínio sustentado e respeitador pela lentidão da mente humana, necessitada de explicações complementares a fim de se abrir à compreensão dos mistérios do reino e de sintonizar com a sua progressiva realização. Belos e expressivos contrastes que facilitam a tarefa dos humildes e pequeninos e deixam “perplexos” os sábios e ricos de si mesmos e dos seus bens.
A parábola do trigo e do joio manifesta à evidência a actualidade da mensagem cristã: o reconhecimento das diferenças plurais que coexistem no mesmo campo/mundo, a liberdade de todos agirem responsavelmente, a diversidade de tarefas/missão, a existência de forças aguerridas que procuram anular o adversário, o valor do tempo e das suas leis na realização humana, a chave da história e da sua abertura ao futuro definitivo – o celeiro do bom trigo. Esta chave está nas mãos de Deus, que em Jesus Cristo, abre o livro da vida e lê o que, entretanto, fomos escrevendo com as nossas opções livres e atitudes responsáveis. Este é um dos alicerces mais firmes da esperança. “Somos chamados a aprender os tempos de Deus”

Pe. Georgino Rocha

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