Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XVIII do Tempo Comum
Resposta surpreendente que, vinda de quem vem, assume foros de directiva de acção. Resposta estranha dada na sequência de um pedido solícito e desabafo preocupado de um grupo de homens condoídos pela sorte da multidão. Resposta alternativa desconcertante face à evidência da situação e à previsão prudente do seu desfecho. E não era para menos! Mt 14, 13-21.
A preocupação dos discípulos era explicável e coerente: a multidão com fome e sem alimentos de reserva nem locais próximos para os comprar; a noite a chegar e, com ela, os perigos da viagem e as restrições da lei; a paciência descontraída de Jesus, exteriormente voltado apenas para os doentes; a urgência crescente de uma solução eficaz. Por isso, decidem interceder junto do Mestre: Despede as pessoas, que arranjem de comer, que vão às aldeias onde é mais fácil comprar. Tudo muito coerente!
Esta atitude contém a lógica embrionária do que virá a acontecer ao longo da história: a advertência lúcida de um mal eminente, o afastamento do outro e deixá-lo entregue à sua sorte, a quebra da solidariedade, o tranquilizar a consciência com o encaminhar do problema, o despedimento (até por causa justa), a satisfação sentida por haver cumprido a lei ( antes do anoitecer). Eles que se arranjem!
Tendo um fundo real, o diálogo dos discípulos com Jesus é profundamente simbólico e, como tal, projecta luz no relacionamento humano, pessoal e colectivo, local e global, material e espiritual. Infelizmente, não faltam dados actuais a ilustrar este alcance: a força das corporações na actual crise social, os trabalhadores de empresas que, impotentes e sem garantias, são forçados a ir para casa, os pobres do Magreb que demandam a Europa e naufragam à sua vista, os repatriados sul-americanos que, em vão, tentam atingir os Estados Unidos ou outros países, o fenómeno da pandemia e suas sequelas.
“Do seu sofrimento pela morte do Batista, Jesus passa a ver o sofrimento das multidões e a sua compaixão torna-se cuidado, ação terapêutica. Torna-se resposta humilde e concreta ao mal do mundo”, afirma Manicardi que, um pouco à frente prossegue: “ Na resposta de Jesus (cf. Mt 14, 18) a pobreza não só não é um impedimento, mas é condição que manifesta o poder da partilha e da ação de Deus. A pobreza da Igreja é a condição da sua eficácia evangélica: revela a sua fé que permita ao poder de Deus atuar”.
Dai-lhe vós mesmos de comer! – resposta que relança a perplexidade nos discípulos que nem se lembraram do pouco que tinham ao fazerem a proposta do despedimento. Jesus inverte claramente o sentido pretendido e dá uma resposta que personaliza a responsabilidade e aviva a solidariedade; que mobiliza energias e promove capacidades, que garante soluções alternativas. Pergunta-lhes pelo farnel, pede-lhes para o disponibilizarem, bendiz o Senhor de todos os bens, parte o pão, entrega-o para que repartam, de forma organizada e sustentada. A multidão agrupada por unidades identificadas come até ficar saciada. E as sobras abundantes devem ser recolhidas para que nada se desperdice.
A linguagem de Jesus é expressiva da novidade que pretende implementar: dar, saciar, organizar serviços, valorizar sobras, dignificar pessoas. A gratuidade substitui a prudência calculada e a acção em rede integra e rentabiliza o esforço individual. A gestão criteriosa tira partido do pouco e evita o desperdício. Todo o supérfluo deve ser posto ao serviço do bem comum.
O ser humano, em todas as suas dimensões, é ameaçado pela fome de pão, de consideração e apreço, de valia pessoal e reconhecimento social, de superação dos limites e de aspiração ao Infinito. Todo o ser humano é um peregrino de Deus que vai encontrando e saboreando nos gestos de fraternidade realizados enquanto é tempo. A mesa comum espera-nos no fim da caminhada, embora esteja posta, desde já, em forma sacramental, na celebração da eucaristia. Daí, a mais-valia da missa dominical.
Pe. Georgino Rocha