Uma reflexão de Georgino Rocha
para a Festa da Santíssima Trindade
“Tanto amou Deus o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito para que todo o que n’Ele acredita não pereça, mas tenha a vida eterna”
Jesus atende Nicodemos ao cair da noite e abre horizontes novos ao círculo fechado das suas dúvidas e perplexidades. Fazem um diálogo de consciência acerca de Deus e da consequente relação humana. Passam dos sinais – ditos, ensinamentos e milagres – que manifestam as intenções de Jesus, o enviado de Deus, à necessidade de ver com olhos novos essa realidade, de a compreender no seu alcance anunciador, de a assumir como presença do Reino de Deus já em movimento. Jo 3, 16-18.
É no decorrer deste diálogo profundo e interpelante que Jesus faz a solene declaração: “Tanto amou Deus o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito para que todo o que n’Ele acredita não pereça, mas tenha a vida eterna”. E desvenda outra dimensão desta entrega: Para que o mundo seja salvo por Ele e não condenado. Jesus deixa a claro o que está em causa: o amor de Deus Pai, o sentido da missão do Filho, o valor do baptismo fruto do Espírito Santo a ser enviado e da água – berço da vida nova.
Nicodemos, homem culto e influente, fica admirado e pergunta: “Como é que isso pode acontecer?” E Jesus lança-lhe outro desafio com “ares” de censura: Acreditar nas coisas do céu que se revelam de modo especial no grande sinal, o do Filho do Homem ser levantado na cruz salvadora, como havia feito Moisés com a serpente no deserto.
Nicodemos, símbolo do homem de todos os tempos, evolui interiormente: da procura ao encontro, da dúvida ponderada à certeza assumida, das aparências à realidade, da admiração expectante ao envolvimento selectivo, do nascer do ventre materno à vida nova do Espírito. De facto, aparece mais tarde a defender Jesus no Sinédrio e a intervir com José de Arimateia para que o cadáver possa ser descido da cruz e receber as “honras” fúnebres antes do sepultamento. Presta assim um valioso serviço, mas o Evangelho não afirma que se tenha feito discípulo, seguidor de Jesus, praticante dos seus ensinamentos, testemunha corajosa do Espírito que renova os corações e quer transformar as mentalidades e as estruturas sociais e religiosas para que sirvam cada vez mais a pessoa, suas associações e comunidades.
O diálogo transmitido por João deixa transparecer, claramente, o agir de Deus que é a epifania do Seu ser. “Deus comunica-se connosco como nosso Pai, que ama; como Filho, que nos revela o Pai e nos traça o caminho da salvação; como Espírito que nos dá a força de que necessitamos e nos comunica o significado da revelação em cada tempo e situação. Quando nos relacionamos com Deus, não são determinantes os «conceitos», mas a experiência que temos d’Ele, que se traduz nas convicções que guiam a nossa vida” afirma J. M. Castillo, La religión de Jesús 260.
“Que rosto tem o amor? Interroga-se Santo Agostinho e prossegue: Que estatura, que pés, que mãos? Ninguém o pode dizer. Ele, porém, tem pés que conduzem à Igreja; tem mãos, que dão aos pobres; tem olhos, com os quais se vem a conhecer aquele que está em necessidade. Diz o salmo: «Feliz daquele que cuida do pobre do indigente (Sl 41, 22)»”. Nele se encontra o reflexo da Santíssima Trindade, que hoje celebramos.
Pe. Georgino Rocha