Reflexão de Georgino Rocha
para a Festa do Corpo de Deus
Jesus, após a multiplicação dos pães, faz um ensinamento cheio de novidade na sinagoga de Cafarnaúm que provoca as mais diversas reacções. É um ensinamento em que desvenda toda a riqueza do seu amor por nós, a vontade de entregar o seu corpo e derramar o seu sangue em benefício de toda a humanidade, a decisão de ficar com aqueles que acreditem na sua palavra, comunguem o seu desejo e acolham a sua oferta. Que generosidade maravilhosa! Jo 6, 51-58.
A Igreja celebra esta maravilha na Eucaristia, sobretudo dominical, e uma vez ao ano na Festa do Corpo de Deus. Pretende realizar o que Jesus deixou como mandato aos seus discípulos: “Fazei isto em memória de Mim”. Nasce assim a celebração que dá por vários nomes, sendo o mais popular a missa, conhece vários modos de organização, incorpora vários ritos que, muitas vezes, a pretexto de a solenizar e embelezar, a transformam numa cerimónia de pompa e de personalidades. Por isso, surgiu o movimento da reforma litúrgica que o Concílio Vaticano II assumiu e ordenou e o magistério da Igreja vai implementando.
As reacções dos ouvintes são diversas: a multidão saciada quer confirmar a fonte do seu sustento, muitos discípulos acham duras as declarações de Jesus e deixam de andar com ele, as autoridades censuram-no abertamente, lembrando a sua humilde pertença familiar. “Deixai de criticar” – admoesta-os ele, fazendo apelo a Deus Pai que o enviou. Um pequeno grupo, de que se destaca Simão Pedro, garante-lhe fidelidade e afirma que só ele tem palavras de vida eterna.
Estas reacções mantém toda a actualidade, embora com acentuações diferentes. A multidão continua inquieta à procura do pão que possa saciar as suas fomes de consideração e respeito, de amor e proximidade, de cultura e paz, de liberdade e dignidade, de trabalho e promoção. Pão para a sobrevivência existencial, sem mais. A censura das autoridades permanece actuante em campos tão diversos como a educação e seus lóbis, a transmissão da vida e sua (des)protecção, o espaço religioso e sua privatização ou “descafeinização” da sua mensagem. O grupo dos fiéis incondicionais proclama publicamente a sua fé em Jesus, pão dado por Deus para a vida do mundo, palavra definitiva que marca o rumo da história e define o seu sentido, companhia solícita e revigorante para quem o recebe e lhe corresponde. Não deixemos de ter em conta estas reacções e de assumir as suas interpelações.
A atitude do grupo dos fiéis prolonga-se no tempo, celebra-se ao domingo e dá origem à Festa do Corpo de Deus, festa que aparece na liturgia da Igreja no século XIII. Festa que pretende avivar a fé dos cristãos na presença eucarística de Jesus (no pão consagrado na missa e, por vezes, conservado no sacrário sob a forma de Santíssimo Sacramento), adorar e dar graças ao Senhor pelo seu amor de entrega contínua em benefício de toda a humanidade (na celebração dominical, sobretudo), anunciar publicamente que Jesus ressuscitado caminha connosco ao longo da vida -(na procissão que percorre as ruas das nossas terras). Festa que celebra, no presente, a ceia pascal de Jesus com os seus amigos e antecipa o banquete da família de Deus quando a eternidade dispensar o tempo caduco. Festa que, em ritos (gestos, sinais, palavras), transforma, por acção do Espírito Santo, o pão e o vinho da missa em corpo e sangue de Cristo. Festa que expressa e constrói a fraternidade na comunidade cristã e gera dinamismos missionários tendentes a chegar a todas as “periferias” existenciais.
O Papa Francisco num dos seus comentários diz-nos com toda a clareza: “Todas as vezes que participamos na Santa Missa e nos alimentamos do Corpo de Cristo, a presença de Jesus e do Espírito Santo age em nós, plasma o nosso coração, comunica-nos atitudes interiores que se traduzem em comportamentos segundo o Evangelho. Antes de mais, a docilidade à Palavra de Deus, depois a fraternidade entre nós, a coragem do testemunho cristão, a fantasia da caridade, a capacidade de dar esperança aos desencorajados, de acolher os excluídos. Deste modo, a Eucaristia faz amadurecer o nosso estilo de vida cristã”. (O Evangelho do Domingo, comentário do Santo Padre, Ano A, Paulinas, 2019, 272).
Pe. Georgino Rocha