quinta-feira, 25 de junho de 2020

A Nina



OS GATOS

Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos

Manuel António Pina

NOTA: A Nina, a nossa gata, tem carta branca para cirandar pela casa e arredores. Um pouco vadia, ou não fosse essa a sua origem, gosta de dar as suas voltas pelo quintal, mas regressa sempre. Dorme bem, que os gatos, pelos vistos, são dorminhocos, e quando acorda aprecia a companhia das pessoas, mantendo um silêncio misterioso. Hoje, depois do passeio matinal, procurou-me no sótão. Olhou-me fixamente, talvez a tentar descobrir o meu estado de espírito neste tempo frescote e de confinamento, e desandou para a janela. Olhou a paisagem, mirou quem passava, voltou-se para mim e deu-me ordens para lhe tirar o retrato. E como não sou poeta, lembrei-me deste poema de António Pina que diz tudo o que eu não seria capaz de dizer.

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