Reflexão de Georgino Rocha:
A caminho da Páscoa
«A solidariedade nas causas justas humaniza-nos, reforça os laços da família que constituímos e abre o coração a novas dimensões: a ética da convivência social, a cultura do suficiente, o estilo de vida sóbrio e partilhado, a fraternidade sem limites, a dignidade acrescida, fruto do reconhecimento agradecido a Deus Pai por nos constituir seus filhos e irmãos em Jesus Cristo.»
A samaritana acorre ao poço de Jacob, para buscar água fresca. Leva consigo o cântaro vazio, símbolo do seu coração ansioso que procura saciar as sedes que manifestamente o inquietam e perturbam. Habita-a o sonho de felicidade, sempre adiada, apesar das tentativas fugazes de prazeres efémeros. Acolhe o pedido ousado do judeu desconhecido e questiona-o sobre o seu atrevimento. Abre-se ao diálogo num “taco-a-taco” impressionante pelo realismo personalizado e pela caminhada espiritual de abertura e comunicação. Jo 4, 5-42
Jesus, paciente e confiante, situa-se ao nível da samaritana. Aproveita a oportunidade de estar cansado e de ser pleno dia, para manifestar a necessidade de saciar a sua sede. “Dá-me de beber” – diz-lhe. “Como?” – pergunta ela. “Se conhecesses quem te pede” – acrescenta Jesus, abrindo horizontes novos às sedes humanas que só podem ser satisfeitas por águas vivas oferecidas por quem as possui e está pronto a reparti-las.
“Por muito que nos desconcerte, afirma o cardeal Tolentino de Mendonça, Jesus dirige-nos essas mesmas palavras, na boca do poço que representa este momento das nossas vidas. «Dá-me o que trazes contigo. Abre o teu coração. Dá-me o que és». A quaresma é uma chamada a reactivar o dom da graça”.
É connosco que Ele faz o mesmo diálogo de salvação e desvenda quem é Ele para cada um de nós e quem somos nós para Ele. Com Jesus descobrimos a água que Ele pôs no nosso poço. Frequentemente buscamos desculpas para evitar um frente a frente com Deus que nos incomoda. A água de Deus corre por toda a terra. É um dom que Ele nos quer dar, embora sejamos mesquinhos para o aceitar. Deus quer que nasça uma Fonte que brote para sempre dentro de nós. Que aconteceria hoje se deixássemos que entrasse esta água viva?, interrogam-se as Irmãs freiras da Abadia de Monserrat, de Barcelona. Aconteceria, certamente, vermos o alcance do simbolismo do encontro no poço de Jacob, da água como elemento indispensável à vida, da pedagogia da fé que faz de uma mulher carente uma apóstola cheia de entusiasmo e de iniciativa.
A água e o alimento constituem dois elementos fundamentais para o cuidado da vida humana. Sem eles, ninguém sobrevive de forma equilibrada e saudável. Nem o planeta Terra se conserva habitável por muito tempo. Daí, o drama em que nos encontramos. Como bens escassos, têm de ser geridos com acerto, para chegarem a todos em boas condições e quantidade. Não se podem desperdiçar nem açambarcar. As vítimas da fome e da seca são o rosto da desordem organizada. As vozes críticas do sistema estabelecido, que propõem alternativas, são gritos proféticos a abrir caminho e a alimentar a esperança. Ousemos aumentar o seu registo e prolongar o seu eco, de modo a fazer ressoar um coro suficientemente forte para “forçar” a mudança desejada. Como propôs a Caritas na campanha quaresmal passada: “Unidos no amor, juntos contra a fome”. Como o está a fazer o Papa Francisco e tantos outros. Com particular responsabilidade para os cristãos e suas comunidades.
A Exortação Apostólica «A alegria do Evangelho» adverte que: “Qualquer comunidade da Igreja, na medida em que pretender subsistir, tranquila, sem se ocupar criativamente nem cooperar de forma eficaz para que os pobres vivam com dignidade e haja a inclusão de todos, correrá o risco da sua dissolução, mesmo que fale de temas sociais ou critique os Governos. Facilmente acabará submersa pelo mundanismo espiritual, dissimulado em práticas religiosas, reuniões infecundas ou discursos vazios”. EG 207.
A solidariedade nas causas justas humaniza-nos, reforça os laços da família que constituímos e abre o coração a novas dimensões: a ética da convivência social, a cultura do suficiente, o estilo de vida sóbrio e partilhado, a fraternidade sem limites, a dignidade acrescida, fruto do reconhecimento agradecido a Deus Pai por nos constituir seus filhos e irmãos em Jesus Cristo.
A samaritana esquece o cântaro vazio, aceita a água viva que Jesus lhe oferece e sente-se feliz. Ela mesma se converte em fonte nova. Não sossega enquanto não vai à cidade e convence os seus conterrâneos a virem ver Jesus, a estarem com Ele, a escutarem os seus ensinamentos. E que bem o fez! Que força de persuasão! Que alegria humilde terá sentido ao ouvir: Não é por ti que acreditamos, mas porque “nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo”. Que acerto na orientação da paixão que a consumia, dando-lhe um admirável rumo novo. Como ela, também nos podemos saciar-nos na fonte da água viva.
Pe. Georgino Rocha