Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo VII do Tempo Comum
O padrão de felicidade proposto por Jesus aos seus discípulos adquire novas facetas que dão rosto humano às bem-aventuranças. O ensinamento feito na montanha vai mostrando, por contrastes, a beleza e a elevação a que todos nós estamos chamados. A disponibilidade pronta e radical para ir mais longe e chegar ao fundo do coração é especialmente apreciada e destacada. E, vigoroso e atraente, brota o apelo/convite a viver, sempre, o amor perfeito que dá um novo sentido a situações consideradas positivas sob o ponto de vista legal e saneia completamente as negativas. Mt 5, 38-48.
O Papa Francisco afirma, perante uma multidão de fiéis reunidos na Praça de São Pedro, no Vaticano “que Jesus Cristo veio apresentar uma «abordagem correta» aos mandamentos, que devem ser um «instrumento de liberdade»… Deus educa-nos para a verdadeira liberdade e responsabilidade… Quando uma pessoa se torna escrava das paixões e do pecado deixa de ser protagonista da própria vida”.
Jesus prossegue a série de contrastes que fazem parte do código de felicidade e vêm a culminar no amor aos inimigos que também são amados pelo Pai dos Céus.”Ouvistes o que foi dito aos antigos: «Olho por olho e dente por dente». Eu, porém, digo-vos». E prossegue o seu ensinamento com exemplos muito concretos da vida diária: a injustiça e a afronta, o insulto, a bofetada, o abuso do poder e o empréstimo.
A reação perante ofensas graves era regulada pela lei de Talião que prescreve olho por olho, dente por dente. Constituía um avanço civilizacional extraordinário, pois a retaliação em uso ultrapassava a ofensa feita ou o prejuízo causado tantas vezes quantas as tradições preceituavam. Sirva de ilustração a menção de Génesis 4, 23-24: “Se Caim foi vingado 7 vezes, Lamec sê-lo-á 70x7”.
Jesus abre novos horizontes a esta maneira de proceder e recomenda a não-violência e o perdão sem medida. A justiça de reparação de danos será fruto desta vontade positiva de respeito pela pessoa e de avaliação das suas reais possibilidades. Que revolução pode desencadear esta atitude na gestão das relações humanas e na agilização da administração pública, na tendência a ripostar a cada provocação e a excluir do círculo de amizade o prevaricador.
O relacionamento preconizado por Jesus tem uma fonte original: O amor de Deus e a sua forma de proceder para com todos. Ele não faz acepção de pessoas, “tal como” o sol ou a chuva. Para Deus não há amigos e inimigos. Há pessoas que são seus/suas filhos/as, a quem ama com o desvelo de Pai. Desta fonte original nasce a seiva humanizante dos laços familiares, das regras humanas, da convivência social, da civilização do amor. Nasce e robustece-se, sendo configurada pelas culturas e tradições, valores e opções. Aqui se alicerça a subjectividade da sociedade que somos chamados a organizar de forma humana, ética e funcional.
Jesus reforça os ensinamentos com o recurso a outras situações/limite: dar a manta – agasalho indispensável -, dar a face e “dobrar a parada” – ir além do exigido por lei -, rezar pelos perseguidores, amar os inimigos. Ele mesmo dá o exemplo. Inultrapassável. O que leva o filósofo alemão Nietzsche a dizer: “Só houve um cristão e esse morreu na cruz”. E é verdade, “mas também é verdade que nós, seus discípulos, queremos parecer-nos cada vez mais a Ele. E por isso celebramos a Eucaristia e queremos comungar com Ele e com os demais”, escreve o comentador da Homilética.
Façamos nossa a prece do Papa Francisco na homilia deste Evangelho a que dá o título de «revolução cristã»: “A Virgem Maria nos ajude a seguir Jesus por este caminho exigente, que exalta deveras a dignidade humana e nos faz viver como filhos do nosso Pai que está nos Céus. Que nos ajude a praticar a paciência, o diálogo, o perdão, e a sermos artífices de comunhão e artífices de fraternidade na nossa vida diária, sobretudo na nossa família”. Ámen!
Pe. Georgino Rocha