Ó, castanhinhas
"A ganância faz-nos comprar castanhas imaturas, caríssimas, com as peles coladas à pouca mas inacessível chicha."
audades enlouquecem. Não se pode ouvir falar em Outono sem se ficar voraz. São as castanhas.
As castanhas dominam tudo. Já há? Já há? Já viste? Já viste? Conheces alguém em Trás-os-Montes? E se telefonarmos ao calhas para Vila Pouca do Aguiar? Pode ser que tenham pena de nós e nos digam se ela ainda tarda muito...
Em Outubro começa a caça à castanha. Dizem-nos que há uma assadora exímia à saída do Hospital Amadora-Sintra. E há. Confirmamos que há. É domesticamente desencorajador comer castanhas tão boas e tão bem assadas. Não se pode ter pressa - é preciso esperar o tempo que for preciso para que fiquem perfeitamente prontas.
Sempre houve castanhas em Portugal. Os nossos antepassados não comiam outra coisa. A castanha – crua ainda, antes da invenção do fogo – está-nos no tutano do nosso ser.
Que são modernices arrivistas como cebolas, laranjas, amêndoas, limões, milhos, batatas, pimentos e tomates que os árabes e os americanos tiveram de nos ensinar a comer?
A ganância faz-nos comprar castanhas imaturas, caríssimas, com as peles coladas à pouca mas inacessível chicha. Para mais ficam horríveis assadas em casa.
Compramos mais. Também não prestam. Cozemo-las. Não serve de nada. Até a mais moribunda das saudades sobrevive.
Custa aprender que só se apanham e vendem estas castanhas infantis porque há idiotas como eu que teimam em comprá-las, por muito más que sejam.
Gastei quase cem euros. À porta do Amadora-Sintra custam 2,5 euros a dúzia: o preço do ano passado.
E são todas boas.
Miguel Esteves Cardoso no PÚBLICO
NOTA: Esta é a minha homenagem de hoje a um cronista que muito aprecio. O Miguel Esteves Cardoso possui a arte de nos alertar para as coisas boas da vida. Neste caso, as castanhas assadas na rua por quem sabe são, realmente, uma delícia. E ele tem razão no que diz e escreve.