domingo, 1 de setembro de 2019

Anselmo Borges - Deus aos ricos: “Insensatos!”

Riqueza e Pobreza

1. É mau ser rico? Não, de maneira nenhuma. Ai de nós, se não houvesse ricos, com iniciativa e capacidade para investir, criar riqueza, dar emprego a tanta gente, fazer progredir um país e o mundo! A riqueza, diz a Bíblia, é uma bênção. A pobreza, essa é uma maldição. O que é que podemos fazer sem algum dinheiro? Mesmo para fazer o bem e ajudar outros precisamos também de dinheiro. A expressão “Igreja dos pobres” pode levar a equívocos, pois não se trata de realizar “o ideal” de todos serem pobres. Pelo contrário: “Igreja dos pobres e para os pobres”, para acabar com um mundo de pobres que não têm aquele mínimo que lhes permita realizar a sua dignidade humana e cristã. 
Pense-se na “parábola dos talentos”. Um dos contemplados foi condenado porque nada fez com o seu talento. Cada um de nós é ele, é ela, o que a família e a natureza nos deram gratuitamente e também o resultado do que conquistámos com o nosso trabalho e o nosso esforço... 

2. Então porque é que a Bíblia condena os ricos: “Ai de vós, os ricos!”, proclama Jesus no Evangelho. Porque há a riqueza que é preciso condenar. 

2. 1. Em primeiro lugar, é maldita a riqueza roubada, a que provém do roubo, da exploração. E, meu Deus!, o que se rouba, também neste país! Aos milhões e milhões! Uma desgraça! Por exemplo, há Bancos que se afundam e o Estado, isto é, nós, os contribuintes (alguém viu o Estado?), pagamos milhares de milhões e não acontece nada, nem sequer um julgamento. Foi a antiga Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal que afirmou recentemente que o Estado está “capturado” por redes de corrupção e compadrio: “Há efectivamente algumas redes que capturaram o Estado e que utilizam o aparelho do Estado para a prática de actos ilícitos...
Se nós pensarmos um pouco naquilo que são as redes de corrupção e de compadrio, nas áreas da contratação pública, que se espalham às vezes por vários organismos de vários ministérios, autarquias e serviços directos ou indirectos do Estado, infelizmente nós estamos sempre a verificar isso.” E há os pequenos e os grandes ladrões, como já Lutero se queixava: “Quando olhamos para o mundo de hoje através de todas as camadas sociais, constatamos que não passa de um grande, enorme covil cheio de ladrões... Aqui, seria necessário calar quanto aos pequenos ladrões particulares, para atacar os grandes e violentos, que diariamente roubam não uma ou duas cidades, mas a Alemanha inteira... Assim vai o mundo: quem pode roubar pública e notoriamente vai em paz e livre e recebe aplausos. Em contraposição, os pequenos ladrões, se são apanhados, têm de carregar com a culpa, o castigo e a vergonha. Os grandes ladrões públicos devem, porém, saber que perante Deus são isso mesmo: os grandes ladrões.” O que Lutero disse há quinhentos anos para a Alemanha de então, desgraçadamente vale hoje para o mundo todo, incluindo Portugal. 

2. 2. É amaldiçoada a riqueza insolidária, também com a Natureza (veja-se o que se passa, por exemplo, com a Amazónia). Não se trata, portanto, de acabar com a riqueza, mas de tornar solidários os ricos. Ai dos ricos que exploram os trabalhadores, que fogem aos impostos, que esmagam os pobres, que só pensam neles mesmos, abandonando à miséria os desgraçados e tantos que morrem à fome. Uma das vergonhas maiores da Humanidade é que há hoje comida suficiente no mundo para que todos pudessem viver e não somos capazes de erguer um sistema de distribuição que impeça a morte à fome ou em consequência dela de 40.000 pessoas por dia, segundo algumas estatísticas. E alguns dos maiores fluxos financeiros do mundo têm a ver com matar: pense-se no armamento, nas drogas, na prostituição...

2. 3. A maldição maior provém do facto de se fazer do dinheiro um ídolo. 
Jesus foi claro: “Não podeis servir a Deus e a Dinheiro”, com maiúscula, Mammôn, um deus a quem entregais a vossa vida e salvação. E contou uma parábola: “Havia um homem rico, a quem as terras deram uma grande colheita. E pôs-se a discorrer, dizendo consigo: ‘Que hei-de fazer?, uma vez que não tenho onde guardar a minha colheita?’ Depois continuou: ‘Já sei o que vou fazer: deito abaixo os meus celeiros, construo uns maiores e guardarei lá o meu trigo e todos os meus bens. Depois, direi a mim mesmo: Tens muitos bens em depósito para muitos anos, descansa, come, bebe e regala-te’. Deus, porém, disse-lhe: ‘Insensato! Nesta mesma noite, vais morrer; e o que acumulaste para quem será?” 
Está aquele rico, de noite, deitado na cama, sozinho, não tem ninguém, apenas aquele pensamento soberbo e auto-satisfeito de que tem riqueza suficiente para muitos anos. Não tem uma mulher amiga, não tem amigos, não pensa nos familiares, nos pobres e desgraçados, nos seus trabalhadores a quem talvez explore, não tem ninguém, é só ele, exaltado e exultante: “Descansa, come, bebe e regala-te!” Mas, de repente, assalta-o o terror da morte: “Esta noite vais morrer!” Afinal, tudo o que acumulou para quem será? Está angustiado. “Insensato!”, diz-lhe Deus. Para que foi a sua vida? Quem vai salvá-lo? Todas as suas riquezas acabam ali. Como escreve o grande exegeta Xabier Pikaza, ”este rico néscio, insensato, imagina céus de dinheiro e sofre terrores de morte.” Não lhe resta nada. 

3. Por muito dinheiro que tenhamos, é necessário perceber (e não é preciso pensar muito) que há âmbitos essenciais da vida, o essencial, em que seremos sempre pobres, porque o dinheiro não compra tudo. A amizade não se compra. A alegria interior verdadeira não se compra. A honra não se compra. A dignidade também não. A salvação eterna não se compra. Deus, sim, Deus, não se compra. Ele há a graça, o gratuito

Anselmo Borges no DN
Padre e professor de Filosofia

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