Flausino Silva |
"Francisco voltou a surpreender com a sua franqueza, desta vez ao referir-se ao sistema vaticanista de governo da Igreja Católica, apesar das conhecidas críticas às "doenças da Cúria".
Segundo o portal Sete Margens, em entrevista à Televisa, quando "Valentina Alazraki lhe pergunta sobre a eventual contradição entre 'uma Igreja em crise e um Papa que goza de popularidade', o Papa Bergoglio responde com uma dura crítica à forma de governo que domina ainda o Vaticano." Chega mesmo a classificar a sede do poder católico-romano como "última corte europeia de uma monarquia absoluta"(7 Margens).
Ao pensar nesta reflexão de um Papa que todos admiram, mesmo não crentes, pela clarividência e coragem das afirmações, interrogamo-nos acerca do profundo alcance da suas palavras: quererá o Sumo Pontífice significar, com a sua crítica, que eu e a minha família nos comportamos como absolutistas, quando usamos a nossa posição social, os nossos bens, a nossa cultura, para nos impormos aos que dependem de nós, que estão sob a nossa influencia e domínio, submetendo-os à nossa prepotência, ao nosso poderzinho, ao nosso estatuto social?
Ou terá mesmo querido expressar que o poder religioso, estruturado pelo governo da Igreja Romana do Vaticano, se apresenta face à Igreja Universal como todo poderoso, senhor da verdade e do poder de decisão, alicerçado nas normas das congregações que tudo podem e tudo decidem, segundo cânones inamovíveis?
Transpondo este absolutismo do Vaticano, que se projeta, inevitavelmente nas igrejas domésticas, como é que ele se organiza e exprime, nas estruturas formais das dioceses e das comunidades locais?
Perdoe-se-nos ter a ousadia de olhar para algumas das nossas realidades e sentir o mesmo, em relação à sumptuosidade de Paços e Residências Episcopais, à existência de departamentos e estruturas impositivas, organização de serviços assentes em princípios e práticas formais, ancestrais, rotineiras e inamovíveis, com total ausência de estruturas de acolhimento com calor humano, apoio e acompanhamento na resolução de problemas pessoais e comunitários.
Perdoe-se-nos este aparente azedume, mas aflige-nos, sobretudo, como leigos conscientes, ter de participar numa Igreja que tarda em abrir os olhos às realidades, que continua a privilegiar o passado, a rotina, o comum, e rejeita os desafios da criatividade, da inovação comunicacional, para continuar a insistir nos ritos e práticas arreigadas sob formas ultrapassadas e caducas.
O Papa bem se esforça por insuflar novas ideias e novas formas de evangelização e ação pastoral, mas uma grande parte da Igreja, de vestes caducas, não consegue despi-las. Entretanto o mundo continua a sua senda vertiginosa noutras direções! Ousaremos perdê-lo?
Flausino Silva
Empresário
NOTA: Publicado no "Correio do Vouga"