sexta-feira, 5 de julho de 2019

Os nossos gatos vadios


Contemplo o relvado que o João Paulo corta regularmente por iniciativa própria. Ele sabe disso e assume a tarefa com gosto e saber. E nem precisa de ajuda; acha que as ajudas até estorvam os seus hábitos. Também apara os arbustos e retira os sobrantes para que o relvado se apresente limpo e convidativo por uns tempos. Mas o João tem tudo sob controlo e aparece sempre no momento certo.
Sentado no alpendre, rodeado por um aparato de pratos de plástico destinados aos cinco gatos vadios que a Lita adotou, sinto a vida em movimento. Os felinos, que recusam sistematicamente dar o pelo para uma gesto de carinho, sabem que nunca lhes faltará água fresca, ração adequada e restos de comida, lavada, não vá dar-se o caso de alguns condimentos lhes alterar a digestão. Fico assim a pensar quanto é difícil domesticar um animal. Nem com estes mimos dão o braço a torcer. Mas há de chegar o momento de reconhecerem quem é amigo. Será?
Longe do bulício do quotidiano de gente ativa, dou comigo a meditar na importância da ocupação como sinal de vida útil, quando as forças se tornam cada vez mais débeis. E percebo que nos tempos de hoje há muitas formas de nos sentirmos capazes de ocupações salutares, como o ato de escrever e de ler, com tanta oferta que nos desafia a viajar, a refletir e a sonhar.
Cinco gatos que nos olham desconfiados e que, diversas vezes, se aproximam de nós, coçando-se nas nossas pernas, em modo de desafio. E quando os fixamos, fogem logo espantados pela proximidade, como se os nossos olhos fossem raios fulminantes. Será que algum dia aceitarão a amizade dos humanos?
Entretanto, sobem ao cocuruto das árvores e arbustos a uma velocidade espantosa, na tentativa frustrada de caçar uma rola ou melro, e descem com a mesma velocidade e perícia. Brincam uns com os outros, tentam caçar uns passaritos mais atrevidos que se aproximam deles e logo se espantam. Um ou outro, porém, cai no azar e é apanhado. E assim passam os dias, com a Lita a medir os estilos dos felinos e a rir-se com as suas brincadeiras à distância. E quando algum se ausenta por razões que desconhecemos, que falta de comer não é, a Lita até perde o sono.

F.M. 

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