Papa Francisco e Valentina Alazraki |
2. 7. Os de fora e os de dentro. A jornalista observa: “Há quem diga que o Papa parece gostar mais dos que estão longe do que dos seus”. Francisco: “É um piropo para mim. É um piropo, pois é o que Jesus fazia, acusavam-no disso. E Jesus diz: ‘Não são os sãos que precisam de médico, mas sim os doentes’. Eu não prefiro os de fora aos de dentro. Cuido dos de dentro, mas dou prioridade aos outros, isso sim.” É como numa família.
Acrescentou: “Alguns jornalistas acusam-me de que sou demasiado tolerante com a corrupção na Igreja; por outro, se carrego em cima dos corruptos, dizem que ‘lhes carrego demais’. Bonito. Assim, sinto-me pastor. Obrigado.”
2. 8. E volta aos migrantes e refugiados, observando a jornalista que há quem o acuse de “falar muito mais deste tema do que dos temas, dos valores que antes se dizia serem valores irrenunciáveis do catolicismo como a defesa da vida.”
Francisco: “Porque é uma prioridade hoje no mundo. Todos os dias recebemos notícias de que o Mediterrâneo é cada vez mais cemitério, para dar um exemplo.”
Mas reconhece as tremendas dificuldades do problema. “Sobre migrantes, eu digo, em primeiro lugar, que é preciso ter coração para acolher; depois, é preciso acompanhar, promover e integrar. Todo um processo. Aos governantes digo: Vejam até onde podem ir. Nem todos os países podem, sem mais. E para isso é necessário o diálogo e que se ponham de acordo. É preciso integrar isto tudo, não é fácil tratar o problema migrantes, não é fácil.”
A mesma dificuldade quanto aos repatriados. “Não sei se viu as filmagens clandestinas que há quando os apanham outra vez. Às mulheres e aos miúdos vendem-nos, e os homens são feitos escravos, torturam-nos... Por isso, digo: cuidado também para repatriar com segurança.”
2. 9. Sobre o aborto. “O aborto não é um problema religioso no sentido de: porque sou católico não posso abortar. É um problema humano. É o problema de eliminar uma vida humana. Ponto final. E por aqui me fico.”
2. 10. E com os governantes? “Não gosto de responder: ‘gosto mais, gosto menos’. Quero ser honesto. Frente a um governante, procuro dialogar com o melhor que tem. Porque a partir do melhor que tem vai fazer bem ao seu povo.”
2. 11. É sabido que Francisco não se cansa de atacar a bisbilhotice na Igreja, na Cúria, na vida de todos. Acaba de distribuir um folheto na Cúria sobre isso, porque “somos inclinados a falar mal das pessoas”. A jornalista: “Como se chama o folheto?” Resposta: “Não falar mal dos outros”. “É um defeito que temos todos: ver o mal do outro e não o bem. Isso vale para todos: a bisbilhotice, os mexericos. Dizem que as mulheres são mais bisbilhoteiras, mas é falso. Os homens também o são.” O que é mau deve-se dizer ao próprio, “em privado, para que se corrija. Não o digas aos outros.”
2. 12. Situações “irregulares”, recasados e homossexuais. Francisco lamenta que por vezes abusem das suas palavras e o interpretem mal: “Por vezes as pessoas, com o entusiasmo de serem recebidas pelo Papa, dizem mais do que o Papa lhes disse, é preciso ter isso em conta.” A jornalista: “É um risco que corre...”. Resposta: “Claro, um risco. Mas todos são filhos de Deus. Todos. Eu não posso descartar ninguém. Preciso de ter cuidado, tomar precauções, mas descartar, não. Também não posso dizer a uma pessoa que o seu comportamento está de acordo com o que a Igreja quer, quando não está. Mas tenho de dizer a verdade: ‘És filho, filha de Deus. A ninguém tenho o direito de dizer que não é filho, filha de Deus, porque estaria a faltar à verdade. Ou que Deus não gosta dele, dela. De facto, Deus gosta de todos, até de Judas.” As pessoas têm é de ser responsáveis.
Mas há más interpretações. “Perguntaram-me sobre a integração familiar das pessoas com orientação homossexual e eu disse: as pessoas homossexuais, as pessoas com uma orientação homossexual têm direito a estar na família e os pais têm direito a reconhecer esse filho como homossexual, essa filha como homossexual. Não se pode pôr fora da família ninguém nem tornar a vida impossível a ninguém.” “Outra coisa é, quando se vêem alguns sinais nos miúdos que estão a crescer, mandá-los a um ‘especialista’ (na altura, saiu-me ‘psiquiatra’, mas queria dizer especialista, foi um lapsus linguae). Ora, um diário colocou em título: ‘O Papa manda os homossexuais ao psiquiatra’. Não é verdade. Não disse isso.”
Quanto aos divorciados recasados, “a doutrina foi reajustada, o que significa recuperar a doutrina de São Tomás.” O princípio continua claro: casamento para toda a vida; do que se trata é de aplicar, dentro de certas regras, o princípio às circunstâncias. Neste quadro, abre-se a porta à possibilidade da comunhão em casos concretos.
2. 13. A jornalista observou: “Conhecidos seus dizem que, na Argentina, era conservador na doutrina.” Francisco: “Sou conservador.” A jornalista: Mas “tornou-se muito mais liberal do que era na Argentina. Foi o Espírito Santo?” Resposta: “A graça do Espírito Santo existe certamente. Eu sempre defendi a doutrina. E é curioso, uma vez que chama a atenção para isso, na lei do casamento homossexual... é uma incongruência falar de casamento homossexual.” A jornalista: “Então, antes era uma coisa e agora é outra?” “É verdade. Confio em que cresci um pouco, que me santifiquei um pouco mais. A gente muda na vida. Ampliei os meus critérios, isso pode ser; vendo os problemas mundiais, tomei mais consciência de algumas coisas que antes não tinha. Julgo que nesse sentido há mudanças, sim. Mas sou conservador e... sou as duas coisas.”
2. 14. Francisco e a imprensa. A jornalista: “Atendendo a esta evolução, pode dizer-nos o melhor nestes seis anos?” Francisco: “Bom, escutar-vos a vós jornalistas, creio que para mim foi uma coisa... não digo a melhor, mas uma coisa linda.”
“Na Argentina, nunca contactava com a imprensa, não éramos santos da sua devoção”, observa a jornalista. “Não, não. Também agora não muito (risos). Não, mas realmente o diálogo convosco — isto é um pouco piada, mas quero dizê-lo —, eu tenho boa relação convosco e sinto-me bem convosco, que fique claro. É uma das coisas lindas.” “Mesmo que o critiquemos”. Francisco: “Claro que sim. Se criticarem bem, bendito seja Deus; se criticarem mal, saio a dizer-vo-lo. Porque o papel da imprensa não é só criticar, é construir. Mas também tenho consciência de uma coisa: Nem sempre sois livres, lamentavelmente muitos, para viver..., nem sempre podem dizer tudo o que querem.”