Jesus ressuscitado surpreende os discípulos em diversos locais e fases do dia. E também de ocupações. Prossegue as iniciativas para os reagrupar e comprovar a realização da promessa que lhes havia feito de ressuscitar após a morte de que iria ser vítima. É a Maria Madalena, a Cléofas e sua companhia, aos discípulos fechados em casa e aos que estavam na margem do mar de Tiberíades, após a faina da pesca. E a muitos outros.
O autor do relato, que leva o nome de João, faz uma bela composição catequética, lançando mão a elementos históricos de grande alcance simbólico. E redige o capítulo final em que, após a refeição na praia, realça o “papel” de Pedro como pastor que segue o Bom Pastor, a missão que é confiada a todos os discípulos a ser sempre realizada. E hoje com coragem redobrada.
O Papa Francisco ao dirigir-se especialmente aos Jovens, após o Sínodo que lhes foi dedicado, afirma: “É verdade que nós, membros da Igreja, não devemos ser ‘bichos estranhos’. Todos se devem sentir como irmãos e próximos, como os apóstolos, que ‘tinham a simpatia de todo o povo’. Ao mesmo tempo, porém, devemos atrever-nos a ser diferentes, a mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, a dar testemunho da beleza, da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e pelo bem comum, do amor aos pobres e da amizade social” (Cristo Vive, n. 36).
O relato de João, hoje meditado 21, 1-19, centra-se na refeição da praia, que segue de perto a narração do “pic-nic”, após a multiplicação dos pães e dos peixes. (Mt 15, 29-39). Vamos deter-nos em alguns pontos significativos.
O Ressuscitado aparece na margem do mar e ninguém adverte nem o reconhece. Não faz, nem veste, nem diz nada de estranho. Mas normal. Parece alheio a tudo. Os discípulos continuam preocupados em retomar o trabalho que tinham antes de andarem com Ele e correspondem à decisão de Pedro de ir pescar. Fazem-se ao mar, labutam o tempo todo e regressam sem nada. Novo fracasso, pesado, para quem ainda digeria a desilusão da morte do Mestre. Fracasso que lhes causa preocupação e amargura, pois o dia está a nascer, a hora da pesca havia passado, a comida faltava e os encargos oficiais mantinham-se. Que situação aflitiva! Antecipa, ainda que em gérmen, os efeitos das crises laborais de toda a espécie que, sobretudo após o início da era industrial, atormentam o mundo do trabalho. (As manifestações do 1.º de Maio fazem-se eco desta realidade). E deixa a descoberto a necessidade de organizações sindicais e outras que promovam a dignidade das pessoas que trabalham, dos seus direitos e deveres.
“Rapazes, tendes alguma coisa que comer?” pergunta de mendigo que se solidariza com o infortúnio da noite. Pergunta de pessoa estranha a denotar interesse em ajudar. Pergunta de alguém desconhecido que quer fazer-se próximo. “Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis” prossegue face à resposta negativa. E assim aconteceu. A pesca foi tão abundante que tiveram grande dificuldade em regressar à margem, arrastando a rede. João, o discípulo amado, reconhece e identifica o estranho e vai dizê-lo a Pedro: “É o Senhor”. (O coração antecipa-se e abre caminho à razão).
Ao chegarem à praia, ocorre nova surpresa: brasas acesas, com peixe a assar e pão. Jesus pede-lhes que tragam alguns peixes dos que tinham apanhado. E assim fizeram. A ementa estava pronta e a refeição preparada. “Vinde comer”, diz-lhes em amável convite, rapidamente aceite pois todos sabiam que era o Senhor. “Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com os peixes”. Que maravilha! O Ressuscitado não apenas aparece, mas oferece-se em refeição. O ressuscitado faz-se comunhão com os discípulos. O Ressuscitado introduz uma seiva nova na realidade quotidiana e opera uma transformação radical.
Ele, o estranho desconhecido, passa a ser o Senhor. A noite e as trevas dão lugar à luz. O fracasso da pesca passa a abundância de peixes. A fome é saciada na refeição abundante de Jesus. “A presença do Ressuscitado, afirma Manicardi, produz estas mudanças e recria a comunidade, que estava reduzida a um grupo diminuto de gente desorientada”.
O autor da narrativa anota um pormenor precioso e significativo. Pedro, ao ouvir que era o Senhor, atira-se à água e vai ao Seu encontro. Sem medos nem demoras. Que impulso o moveria? O coração ainda não totalmente sanado e recuperado tem o seu ritmo e quer mostrar-se penitente e reconhecido. E deixa-nos o apelo a encurtar distâncias, a enfrentar perigos, a viver a paixão do amor.
“O desejo de Deus, afirma o Papa Francisco na mensagem para o 56.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, intitulada «A coragem de arriscar pela promessa de Deus» e que neste domingo se inicia é que a nossa vida não se torne prisioneira do banal, não se deixe arrastar por inércia nos hábitos de todos os dias, nem permaneça inerte perante aquelas opções que lhe poderiam dar significado. O Senhor não quer que nos resignemos a viver o dia a dia, pensando que afinal de contas não há nada por que valha a pena comprometer-se apaixonadamente e apagando a inquietação interior de procurar novas rotas para a nossa navegação. Se às vezes nos faz experimentar uma «pesca miraculosa», é porque nos quer fazer descobrir que cada um de nós é chamado – de diferentes modos – para algo de grande, e que a vida não deve ficar presa nas redes do sem-sentido e daquilo que anestesia o coração. Em suma, a vocação é um convite a não ficar parado na praia com as redes na mão, mas seguir Jesus pelo caminho que Ele pensou para nós, para a nossa felicidade e para o bem daqueles que nos rodeiam”.
A refeição na praia – que é símbolo da Eucaristia – celebra o Senhor ressuscitado que acompanha, anima e guia os discípulos na missão nas encruzilhadas da vida. Ânimo! Ele está e convive connosco.