«“O meu filho voltou à vida. Foi reencontrado. Façamos festa”. O símbolo não podia ser mais rico. O rosto de Deus que Jesus anuncia fica bem desenhado. Captemos o seu sentido. Vivamos a sua misericórdia. Deixemo-nos envolver pelo seu abraço de reconciliação sanadora»
A parábola do “filho pródigo” atinge o seu momento mais expressivo no abraço do Pai que, pacientemente esperava o seu regresso. A narração é uma maravilha saída da pena de Lucas. A mensagem é um primor que Rembrandt visualiza de forma magistral. Os protagonistas apresentam traços humanos do rosto de Deus que Jesus insistentemente quer que os seus interlocutores acolham, admirem e apreciem. A Igreja prolonga na história a missão de Jesus e esforça-se por lhe ser fiel e por fazer brilhar em si e nos seus membros a ternura, o calor e a misericórdia que transparecem naquele gesto familiar. Os cristãos ficam constituídos em seus discípulos missionários pelo estilo de vida e pela prática de obras de justiça impregnada de amor de serviço generoso.
Assim o proclama o Papa Francisco que, no passado dia 25, no Santuário de Loreto, na Itália, assinou a exortação pós-sinodal sobre os Jovens e afirma que a preocupação do seu novo texto é ajudar as novas gerações no processo de “escuta da palavra-projeto de Deus”, discernimento e decisão, envolvendo os diversos campos da pastoral da Igreja – juvenil, vocacional e familiar”. E acrescenta: “A família e os jovens não podem ser dois setores paralelos da pastoral das nossas comunidades, mas devem caminhar juntos, porque muitas vezes os jovens são aquilo que uma família lhes deu, no período de crescimento”. Bela e oportuna coincidência!
A parábola surge como resposta à murmuração dos fariseus e dos escribas por causa de Jesus “andar com más companhias”, os pecadores, os excluídos, os perdidos. Andar e comer com eles, realizando em antecipação a refeição familiar e o convívio fraterno que Deus reserva a todos no futuro definitivo. O retrato do pai espelha, de modo feliz, o rosto de Deus Pai. E este é o núcleo da mensagem. O filho mais novo vive com grande intensidade a aventura da liberdade, impregnada de experiências divertidas e fugazes, de emoções contrastantes, de alegrias incontidas e de tristezas frustrantes, de recordações nostálgicas e de decisões encorajantes.
No relato circunstanciado de Lucas surge, em relevo, a grandeza da liberdade pessoal, a capacidade de opções responsáveis, a resistência anímica (e não só) para aguentar as consequências. Brilha a força da verdade do ser humano em que reluz o modo de ser do Deus que Jesus anuncia e nos confia como Pai bondoso.
Os partidários dos fariseus rejeitam este Deus. O Santo e Omnipotente, o Inacessível e Majestoso, o Glorioso… ia-se desvanecendo no coração dos acompanhantes de Jesus, “coisa” inaceitável para a religião tradicional. Por isso, procuram armar ciladas e desautorizar Jesus. Estão frente a frente dois modos de compreender Deus: o que transparece no reencontro do filho jovem com seu pai e o que se manifesta na atitude do irmão mais velho. O comportamento deste reproduz a mentalidade dos fariseus: fiel observante do estabelecido, zeloso sentinela dos passos dos outros, diligente cumpridor de um contrato que regula a vida, obediente submisso que reivindica a paga devida. Julga-se a si mesmo com créditos merecidos pela sua fidelidade servil. Queixoso em relação ao pai (que nem sequer nomeia) e insensível para com o irmão que desdenhosamente trata por esse teu filho, e, apesar de tudo, regressa são e salvo. A imagem que emerge é a de um deus patrão, a quem se prestam serviços e se passam “recibos verdes”, à maneira de providência cautelar em ordem a garantir a salvação eterna.
O jovem reencontrado, depois de perdido nas “façanhas” desventuradas da sua frágil e ousada liberdade, assume atitudes dignas do Pai que sempre desejou “aquele” abraço, que se felicita pela relação filial restabelecida, que celebra a sua alegria festivamente com a família e os amigos. O seu amor compassivo atalha a confissão incipiente do filho: “Pai, pequei; não sou digno de ser teu filho, trata-me como um trabalhador dos teus”. As suas atitudes mostram o Deus acolhedor dos perdidos que se reencontram, dos excluídos que se integram, dos pecadores que se convertem, dos fracassados e arruinados que se reerguem e regeneram.
A bondade do pai espelha-se no acerto das recomendações que faz: a melhor túnica substitui a veste suja e surrada; o anel brilhante no dedo assinala a dignidade filial recuperada e faz esquecer a herança desperdiçada; as sandálias nos pés garantem protecção e segurança para avançar por novos caminhos; o vitelo gordo abatido e a festa da abundância iniciada compensam largamente a fome sofrida, as bolotas da amargura engolidas e abrem horizontes de saciedade plena, de esperança confiante.
“O meu filho voltou à vida. Foi reencontrado. Façamos festa”. O símbolo não podia ser mais rico. O rosto de Deus que Jesus anuncia fica bem desenhado. Captemos o seu sentido. Vivamos a sua misericórdia. Deixemo-nos envolver pelo seu abraço de reconciliação sanadora
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