"Felizes os que são coerentes
e fazem o que creem,
e creem o que o Evangelho ensina"
“Este episódio do rechaço de Jesus em Nazaré tem um caracter simbólico: em certo sentido é uma síntese de todo o evangelho, afirma o comentador do nosso texto na Homilética, 2019/1, p. 42. E prossegue dizendo que “Jesus irá experimentando um fracasso cada vez maior (até os seus próprios amigos o abandonam e um dos mais íntimos o atraiçoa).
O entusiasmo dos nazarenos constitui o início da alegria que desabrocha em quem segue Jesus nos caminhos da missão. O número vai aumentando chegando a ser uma pequena multidão. E mostra-se em gritos e aclamações públicas, em encontros de rua e festas de família, em convites e refeições, e em tantos outros modos. Seguir Jesus dá sentido à vida, revigora energias, alimenta a esperança, desinstala, cria laços de pertença, traça novos ritmos.
Mas esta adesão inicial esgota-se rapidamente se não for alimentada e robustecida pela convicção firme, fruto da razão inteligente iluminada pela graça da fé. Como é urgente dar-lhe suporte consistente? Vem a propósito a advertência de Jesus: Casa construída sobre areia está sujeita a derrocada ao primeiro vendaval. E vem a propósito trazer à memória eventos apostólicos de grande sucesso imediato que se esgotam no momento do encerramento. A intensidade da experiência vivida dilui-se e acaba por ser apenas memória saudosa e gérmen de nostalgia frustrante. Reganhar ânimo e começar de novo exige grande confiança em Deus e paciência criativa.
“Não é este o filho de José?” perguntam-se os nazarenos que aduzem outros dados de identidade de Jesus. São perguntas que contêm a resposta. Servem de guia à inteligência inquieta por atingir e compreender o que está a acontecer. O filho do carpinteiro apresenta-se como profeta, faz declarações que envolvem o próprio Deus e o seu plano de salvação (“hoje mesmo se cumpriu o que acabais de ouvir”), denuncia a atitude de rejeição dos conterrâneos, aduz o exemplo de Elias que encontra socorro na viúva de Sarepta, e de Eliseu que acolhe e cura Naamã, o sírio leproso. E, como nota de realce, não realiza qualquer “milagre” em Nazaré em contraponto com o que havia feito em Cafarnaum.
“Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga”. E nem era para menos. A rigidez mental bloqueia a inteligência e exaspera a razão. A narração de Lucas faz-nos ver um processo interior de grande “afunilamento”: Da admiração à perplexidade e à dúvida, da confiança à reserva crítica, da “tempestade” interior à explosão de fúria assassina.
Como era importante travar este processo emocional degenerativo, desinflacionar vibrações, avivar a experiência inicial gratificante, repor a beleza da mensagem do Ano da graça do Senhor!
O texto de Lucas deixa o facto com o seu impacto natural, quer que ele fale por si como primeiro registo do que virá a acontecer. Agora, centra a atenção do leitor/ouvinte na atitude de Jesus que “passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”. Que imagem desconcertante! Na simplicidade, que dignidade de porte perante os adversários que o veem passar e nem ousam tocar-lhe quando o queriam lançar do cimo da colina no precipício de morte! Na mansidão, que liberdade de acção e ousadia confiante marcam o seu ritmo interior nas horas de aflição que está a viver!
Jesus não retira nada ao que disse. É homem de palavra, profeta de Deus, tem consciência da missão que realiza. E, com valentia, aguenta as consequências por amor à verdade. Uma pergunta pode ajudar-nos na vida cristã: Admiro o seu proceder e sinto-me responsável pela sua Palavra? Felizes os que são coerentes e fazem o que creem, e creem o que o Evangelho ensina. Sobretudo na assembleia da liturgia dominical.
Georgino Rocha
Georgino Rocha