segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A alegria espontânea e convincente do povo


“Aprender com o Povo a Alegria Sã do Evangelho”, o mais recente livro do Pe. Georgino Rocha, é uma confissão vivida e meditada do autor, conhecido sacerdote do presbitério de Aveiro. Apresentá-la assim, publicamente e em livro, para que não haja dúvidas, traduz uma coragem e um desafio singulares, que partilha com os seus amigos, leitores e mesmo desconhecidos. É que o povo, a matriz que o inspirou, é muito genuíno nas vivências quotidianas do Evangelho.
O autor recolheu ao longo da vida, não apenas na diocese aveirense mas um pouco por diversos horizontes, mesmo em terras de missão, exemplos que atestam aquela verdade, enriquecidos por reflexões, testemunhos e relatos de experiências que merecem ser lidos e meditados, à luz da alegria espontânea e convincente do povo. Alegria essa também retratada na capa, com um rancho folclórico de uma qualquer região a marcar o ritmo, que o autor soube captar com feliz intuição. 
Ao debruçar-me sobre os 12 capítulos do livro — “Aprender com o Povo a Alegria Sã do Evangelho”—, dei-me conta da caminhada serena do autor alimentada pelo sentido da descoberta do muito que a gente simples tem para oferecer ao nível da busca de Deus em Jesus Cristo, para O refletir na vida. «A piedade popular manifesta uma riqueza complexa de emoções e uma abundância exuberante de expressões, engloba a vida toda dos que a assumem e praticam», dando «sentido à procura de Algo que se pressente envolvido no dia-a-dia e transcende cada realização humana, abrindo-lhe horizontes de maior plenitude», disse.
Reconhecendo que a religiosidade natural é própria da relação com a criação, as criaturas e o universo, Georgino Rocha sublinha que «o ser humano vive uma interação cosmo-vital com as forças emergentes da natureza, vivenciando «uma sabedoria qualificada» com o hinduísmo, budismo, confucionismo, religião tradicional africana e outras, com as quais o Vaticano II prescreveu «um diálogo cultural», que fosse «fonte de mútuo enriquecimento».
Noutra passagem do seu trabalho, lembra que, em muitas situações, «com a ausência do Sagrado, o silêncio falava de Deus», segundo afirmou o Cardeal Jaime Ortega, em entrevista que concedeu, tendo em conta a visita de Bento XVI a Cuba, valorizando deste modo «a importância testemunhal”. E como pessoa atenta ao mundo que a rodeia, o autor aborda, com riqueza de pormenores, a sintonia das linguagens, a mais-valia da religiosidade popular no ciberespaço e a presença da fé no ambiente digital. E explica como a piedade popular continua a chegar aos jovens através da música, do canto e da afetividade, como grandes canais de expressão de todos os tempos e nos mais diversos quadrantes.
Por outro lado, debruça-se sobre a importância das imagens e peregrinações e da arte popular cristã, sublinhando «a riqueza das suas manifestações» e a atenção do magistério da Igreja, «atento e solícito pela fiel representação artística das figuras cimeiras do Evangelho e dos grandes ícones da tradição cristã». E ao abordar o tema das festas populares cristãs, afirma que elas surgem «da satisfação do coração humano». «A festa acontece na vida, não como algo que vem de fora, mas que brota de dentro», fazendo «parte da natureza». 
No mesmo capítulo, salienta, com oportunidade, Santo António de Lisboa, São Gonçalinho de Aveiro e outras festas do calendário cristão, nomeadamente, o Natal de Jesus e a Páscoa, o Espírito Santo e Nossa Senhora, «a Mulher entusiasta de Deus», como marcas indeléveis da fé das nossas gentes.
Na certeza de que «sem domingo, não podemos viver», o autor diz que a família cristã vive o primeiro dia da semana «com celebrações e gestos notáveis», destacando-se «o sentido de festa, a alegria da celebração e o apreço pelo tempo livre/ócio, gratuito e regenerador». E acrescenta que «viver o domingo humaniza a sociedade».
Como leitura testemunhal relacionada com a religiosidade popular e fé cristã, o Pe. Georgino inclui no seu livro duas entrevistas para nossa reflexão: D. António Francisco salienta a fé dos açorianos, «muito verdadeira», à volta do Senhor Santo Cristo dos Milagres, confessando que a sua experiência diante daquela revelação do amor de Deus «é o que de mais belo há no Evangelho»; E o Pe. José Arnaldo aponta elementos fundamentais do projeto NIP (Nova Imagem da Paróquia) como essenciais no processo de renovação pastoral, no qual se devem incluir novas estruturas que levem a «ultrapassar o individualismo e a acolher a colaboração mútua».
Noutra passagem do seu livro, aponta caminhos de missão na sociedade plural, frisando a importância de anunciar a Boa Nova «à maneira de fermento na massa ou de semente a germinar na terra» que «renova o nosso modo de pensar e de agir». E cita o agora Arcebispo Tolentino Mendonça que nos convida a «cair de joelhos, perante o espetáculo divino que é a vida». Considera, por outro lado, que o tempo de férias proporciona «inúmeras oportunidades de ócio recreativo e reconfortante, de recuperação de energias debilitadas», mas também proporciona a participação em ações de formação, a descoberta da curiosidade sadia e a atenção ao «pormenor insignificante, portador de uma beleza inconfundível». 
O autor sublinha a exigência de os cristão crescerem e se educarem em Humanidade, promovendo o civismo e a saúde de que todos precisamos, propondo como fundamental cultivar a proximidade com os doentes, tendo em conta que o sofrimento «revela energias escondidas, facilita exames de consciência, favorece a vida interior e estimula o espírito a encontrar e a agarrar a verdadeira e definitiva segurança».
Georgino Rocha não podia ficar indiferente aos apelos do Papa Francisco, no sentido de alertar para os cuidados a ter com a casa comum da Humanidade, que é «missão inadiável para todos», frisando que urge criar laços de fraternidade. «O homem e o mundo não se transformam sem liberdade e participação, igualdade e coerência, autenticidade e contemplação, comunhão e serviço, paciência e valentia, hierarquia de valores e abertura a Deus», diz o Papa.
“Aprender com o Povo a Alegria Sã do Evangelho” apresenta a encerrar considerações oportunas e necessárias, onde se defende a importância de agir com projetos de renovação comunitária. E cita, mais uma vez, Tolentino Mendonça: «A nossa vida é um instante em aberto. Somos chamados a cultivá-la, sim, com a paciente humildade que um jardineiro reserva para o seu jardim. Ele trabalha sol-a-sol, com todo o afinco, mas ele sabe que a semente rebenta. Felizes aqueles que se alimentam do espanto interminável: esses, e só esses, sentirão a passagem inacabada do tempo como promessa.»

Fernando Martins 

Ficha Técnica

Título: APRENDER COM O POVO A ALEGRIA SÃ DO EVANGELHO
Autor: Georgino Rocha
Capa: Pedro Ventura
Revisão do texto: Gilberto Campos e José Arnaldo Simões
Editor: Tempo Novo

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