João Baptista prossegue a missão junto ao rio Jordão. A sua palavra forte e interpelante agita as consciências e “mexe” os corações. A simplicidade da sua vida irradia e atrai. O povo expectante do Messias acolhe o apelo e sente a veemência da exortação que se visualiza na afirmação: “Toda a árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo”. E quer saber que fazer. Por isso, acorre à sua presença e faz-lhes perguntas. Quer ser honesto e agir com rectidão.
Lucas, com grande acerto pedagógico, faz a narração do encontro de modo progressivo para o leitor se deixar envolver e perguntar e “eu que devo fazer?”. João centra as suas respostas na justiça social, na partilha de bens de subsistência, na honestidade e honradez profissional, na lisura de procedimentos e na convivência pacífica. À gente anónima, aconselha a repartir a roupa e a comida com que não tem; aos fiscais cobradores de impostos exorta a não irem além do que está estabelecido; aos soldados vigilantes pela ordem pública a não darem maus tratos a ninguém nem a criarem notícias falsas com difamações injustas.
“João Baptista, lembra a Bíblia Pastoral, convida à mudança radical de vida, porque a nova história vai transformar radicalmente as relações entre os homens. É o tempo do julgamento e de nada vale ter fé teórica, pois o julgamento baseia-se sobre as opções e atitudes concretas que cada um assume”.
A novidade anunciada surge com a chegada de Jesus de Nazaré, o Messias de Deus que, em breve, inicia a sua missão em público. Surge e realiza-se com o seu amor apaixonado e entrega incondicional que fazem brilhar a verdade que liberta e o amor que regenera e salva.
“Os pedidos que o Batista faz a cada categoria de pessoas podem ser lidos como elementos constitutivos de toda a caminhada de conversão”, afirma Manicardi no seu comentário ao Evangelho de hoje e enuncia os passos a seguir: partilhar, não exigir, não abusar, não ser violento. “João não indica «coisas a fazer», mas pede a cada um que permaneça na sua própria situação, dando espaço ao outro, acolhendo o outro, e impedindo-se absolutamente de ter ou exercer poder sobre o outro”. E desenvolve cada um destes pedidos com reflexões muito pertinentes de que se destaca a primeira.
“A partilha implica deixar de ver apenas a própria necessidade, olhando também para a do outro, e que se decida prover a essa necessidade dando ao outro ou repartindo com ele aquilo que se tem. Nesse dar emerge a liberdade da pessoa não escrava das coisas que possui, mas movida pelo bem maior da relação. Em profundidade, a partilha é um existir com o outro proibindo-se de pensar e agir sem os outros. O que é partilhado não é apenas o que se possui, mas o que se é. E na vida cristã não há maior amor que o de quem dá a vida pelos amigos”.
João, como depois Jesus, deixa claro que é nas relações humanas, vividas em todas as dimensões, que nos realizamos, acolhendo o amor de Deus que nos chega pelos outros e pela interacção recíproca. Aqui brilha a fé cristã em acções de bem-fazer, em práticas de sã humanidade. Impressiona que não haja qualquer alusão aos ritos do culto religioso. São Tiago dirá na sua carta aos cristãos que “a religião agradável a Deus consiste em controlar a língua, socorrer os órfãos e as viúvas em suas aflições, e manter-se livre da corrupção do mundo”. Isto é, adianta a Bíblia Pastoral: “O verdadeiro culto «é a entrega de si mesmo a Deus para viver a justiça na prática: não difamar o próximo (a língua), socorrer e defender os pobres e marginalizados (órfão e viúva), não comprometer-se com a estrutura injusta da sociedade (corrupção do mundo). Esta carta também é proclamada na liturgia dominical.
Face às expectativas populares, João adopta uma postura de honradez e humildade. A quem o trata por mestre, declara: Não sou quem vós pensais. O meu baptismo é com água para vos arrependerdes dos pecados e fazerdes penitência. Mas haverá outro: O do Espírito Santo que à maneira de fogo ilumina e aquece, brilha e atrai, purifica e gera corações novos. “Vai chegar Alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno nem sequer de lhe desatar as correias das sandálias. Ele é que vos baptizará com o Espírito Santo e com o fogo”.
Que anúncio feliz na boca de um homem tão verdadeiro e humilde! Não alimenta ilusões, nem teme desencantos. Não cultiva aparências nem vaidades. Apenas dá testemunho da verdade e aguarda confiante. Em breve sairá da cena pública e será metido na prisão por denunciar a situação marital desonesta de Herodes com a cunhada Herodíades. E selará com o sangue do martírio a verdade que dá rosto à sua honestidade e honradez.
João usa uma linguagem muito acessível. Evita as teorias e as doutrinas. Recorre a metáforas conhecidas e desvenda-lhes o sentido e alcance. Joeira a espiga, retira o grão, separa a palha para queimar. Quanta palha haverá em nós cuidada como se fosse grão! Comunica assim a mensagem de que é arauto. “Com estas e outras exortações, João anunciava ao povo a Boa Nova”.
E o povo, como no tempo de Sofonias (1.ª leitura de hoje), “exulta, rejubila de todo o coração”. Porque o Senhor, teu Deus, está no meio de ti… Ele enche-se de júbilo, renova-te com o seu amor”. A Igreja celebra, hoje, o domingo da Alegria, no tempo do advento do Natal. Tudo nos convida a exultarmos e a cantarmos. Sobretudo porque o Senhor está a chegar. Agora na humildade da natureza humana, pré-figuração da vinda gloriosa, após a ressurreição final. São Paulo, estando na prisão e com enormes sofrimentos, escreve aos cristãos de Filipos: “Alegrai-vos sempre no Senhor… Seja de todos conhecida a vossa bondade. O Senhor está próximo”.
Este convite tem a forma de exortação em João Baptista, que fazemos nossa: Ser honesto, agir com rectidão. Afinando a consciência pelo Evangelho de Jesus Cristo.
Georgino Rocha