Georgino Rocha |
Jesus está no monte das Oliveiras. Sentado (posição normal do mestre que ensina), conversa com Pedro, Tiago, João e André sobre o Templo que se ergue em sua frente. Estão maravilhados com a sua beleza e grandiosidade. Era de facto esplendoroso. Constituía o orgulho dos judeus. Que alegria e confiança deviam sentir!
Jesus aproveita a ocasião e desvenda o que está para acontecer. Faz-lhes uma admoestação séria e grave. Exorta-os a manterem um cuidado vigilante, a saberem ver além das aparências, já de si tremendas, a estarem preparados porque a hora do desfecho se aproxima. Do Templo, não ficará pedra sobre pedra. O tempo encaminha-se para fim. As convulsões estão em curso. A esperança renasce, após a tormenta. Como na natureza, a primavera vem depois do inverno e antecipa o verão radiante de cor e beleza. Será este o desenlace do conflito decisivo. “Tomai muito cuidado”! É tempo de dar testemunho com coragem. Que impacto, devem ter sentido ao ouvir esta declaração surpreendente de Jesus! E em jeito de pedido/interrogação, exclamam: “Diz-nos: quando é que tudo isto vai acontecer e qual será o sinal de que todas estas coisas estão para acabar”?
Marcos faz-nos um bom relato deste discurso de Jesus. A liturgia de hoje ajuda-nos a reviver a parte final da sua rica mensagem. Vamos deter-nos e reflectir sobre alguns aspectos importantes para a nossa atitude cristã. Vamos saborear a alegria serena que brota da confiança na palavra de Jesus. Vamos decifrar o que se esconde na linguagem figurada, típica de certas épocas bíblicas e de filmes “tremendistas”, nas metáforas transparentes impregnadas de novidade e de esperança.
O templo de Jerusalém é destruído três vezes. Jesus antevê, os historiadores narram e a comunidade dos discípulos tem na memória o que acontece por volta dos anos 70 no âmbito da retaliação do exército romano que impõe uma grande derrota à sublevação dos judeus. Este facto passa a ser referência simbólica de una leitura crente da história, na sua dimensão de memória e de profecia, oferecendo-nos um presente recheado de desafios.
As celebrações dos cem anos do armistício da primeira guerra mundial avivam certamente esta verdade elementar: Após a tormenta vem a bonança; não há mal que dure sempre, nem bem que nunca acabe. O rio do tempo corre para o mar da eternidade onde encontra a sua medida maior.
Entretanto, a liberdade humana conduz o curso da vida, pessoal e colectiva, condicionada pela finitude da sua constituição e por inúmeros factores externos, designadamente naturais e culturais, étnicos e religiosos. E Deus, o Senhor do tempo e da história, acompanha o percurso da humanidade, dando sempre “pistas” para a educação da liberdade responsável, enviando profetas e sábios que despertam as consciências humanas e ensinam a ler os sinais do que está a acontecer. Dando-nos Jesus, o seu Filho a quem devemos escutar, pois é homem de palavra com valor de eternidade. Continuando a sua acção discreta por meio do Espírito Santo que quer renovar os corações humanos, a face da terra, a instituição da Igreja, sinal de esperança para toda a humanidade.
Entretanto, o final da história faz-se presença: nas estações rotativas do ano, no ciclo da vida/morte de cada pessoa, de suas perdas e ganhos em capacidades e energias, nas convulsões da natureza e nas transformações das sociedades, nas atitudes humanas face à visão do mundo e da sua compreensão, na pergunta existencial: E depois disto tudo? Será o nada da aniquilação total? Haverá algo que, desde já em sinais, nos permita alimentar a esperança? E surge espontaneamente o desejo, ainda que em surdina: Oxalá que o que pode existir se deixe vislumbrar e pressentir! Oxalá se entreabra alguma janela de acesso a essa outra dimensão da história!
Marcos recorre a linguagem figurada de sabor profético para desenhar a grande convulsão já em curso, mas que um dia alcançará o final. O recurso ao sol, à lua e a outros astros tem como pano de fundo divindades romanas que cederão lugar a Jesus, o filho do homem. É ele que virá na glória de serviço e mandará reunir de toda terra os eleitos de Deus. É ele, o homem da palavra definitiva e eterna. É ele que, na sua pedagogia de mestre, quer credenciar o valor do seu anúncio com o recurso à linguagem corrente e familiar: a figueira e a porta. A figueira, que após os rigores da invernia que a despem e fustigam, reage de forma lenta e firme e, mediante os rebentos e as folhas, faz antever o novo tempo da primavera e do verão. O homem que está à porta e quer entrar, aguardando uma oportunidade. Se alguém de dentro vier abrir, entra e fica em alegre convívio. Se não, segue adiante (Ap 3, 20). Que dinamismo circula nas “veias” da natureza e do mundo!
Jesus virá para reunir os eleitos de Deus. Fará a grande assembleia dos que vêm de todas as partes da terra. Será uma hora solene. Será feita a leitura da história universal. O livro da vida será aberto e cada um de nós pode ver com olhos novos o percurso da sua existência. Dará finalmente conta do valor e da rectidão das suas atitudes. E ouvirá a avaliação do próprio Jesus, a quem Deus confia a palavra definitiva. “Vinde benditos de meu Pai. Afastai-vos malditos”. (Mt 25). E o critério da avaliação está definido desde sempre: A atenção ao pobre em todos os seus rostos humanos.
A Igreja, na sequência do Jubileu da Misericórdia, celebra o Dia Mundial do Pobre no domingo anterior à liturgia de Cristo Rei, Senhor do Universo. É hoje. Escutemos o Papa Francisco na mensagem que nos dirige:
“A salvação de Deus toma a forma duma mão estendida ao pobre, para o acolher e proteger, permitindo-lhe sentir a amizade de que necessita. É a partir desta proximidade concreta e palpável que tem início um genuíno percurso de libertação: «Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estarmos docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo» (EG 187). Esté é o critério decisivo. O resto voa como palha agitada pelo vento. Que certeza responsabilizante!
Georgino Rocha