Georgino Rocha |
Santo Agostinho, adianta por sua vez: “Que pode a alma desejar mais
ardentemente que a verdade? De que outra coisa pode o homem sentir-se
mais faminto? Para que deseja ele o paladar interior, senão para
discernir a verdade, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a
verdade, a eternidade?"
Jesus vive um dia normal da sua missão. Acompanhado da multidão, atravessa Jericó, a cidade onde Zaqueu se empoleirou para o ver e onde já havia curado um cego. Cidade cheia de vida, próspera na agricultura e no comércio, onde sobressaem palmeiras e árvores aromáticas. Estava situada junto ao rio Jordão, a uns escassos 27 quilómetros de Jerusalém. Jesus, calado, dá sinais de fazer um exercício de memória da viagem percorrida e de antevisão do que lhe pode acontecer na cidade capital. Avança como que embalado pelo ritmo da multidão. À saída, depara-se com a surpresa do dia que fica para a história. Alguém, de modo pouco cortês, grita de longe: “Jesus, Filho de David, tem piedade de mim”. E Jesus, de agora em diante, assume o comando da acção, narrada por Marcos sem floreados (Mc 10, 46-52). Em cena ficam apenas duas pessoas: Jesus e Bartimeu. E o que se segue vai ser a nossa reflexão dominical.
O narrador fornece dados precisos do ocorrido: Jesus está na periferia da cidade, símbolo de tantos lugares onde vivem os menos endinheirados, os mais empobrecidos. (Não são os provocantes bairros de luxo, com cerco e segurança privada). Aqui, está sentado Bartimeu, cego e mendigo. Outro símbolo de grande alcance, onde se podem rever milhões e milhões de seres humanos, nossos contemporâneos. Símbolo dos portadores de cegueira a todos os níveis, também religiosa. De quem quer começar a ver com os olhos de Jesus Cristo. A nós, portanto.
Bartimeu é um resistente atento e interventivo. Pressentindo algo de anormal pelo barulho da multidão, escuta com mais atenção e ouve falar de Jesus de Nazaré. Intui tratar-se de alguém que lhe pode valer e iluminado pelo instinto religioso dá-lhe nome: “Filho de David, tem piedade de mim”. Mandado calar, persiste, tal a força do seu desejo. A confiança inunda-lhe o coração que está pronto a tudo de bom. A ousadia vai ser premiada e o seu pedido, satisfeito.
Jesus assume uma atitude estranha: Pára a marcha, detém-se, manda que lhe tragam a pessoa que gritou e inicia o diálogo sanador. Alguém da multidão – há sempre pessoas anónimas amigas de bem-fazer! – vem dizer-lhe: “Coragem! Levanta-te que Ele está a chamar-te”. E os gestos do cego mendigo expressam bem o rebuliço dos seus sentimentos: Atira fora a capa de agasalho e de recolha das esmolas, dá um salto de prontidão, e aproxima-se de Jesus, guiado pela luz do espírito. Apesar de não ver, soltou as amarras da sua liberdade. E deixa que Jesus lhe faça a terapia do seu desejo. Grande exemplo para nós que queremos ser discípulos fiéis ao nosso batismo e a tantos outros benefícios recebidos.
“O texto evangélico apresenta-nos um caminho exemplar de fé”, afirma Manicardi, Comentário, p. 147… que nasce da escuta, torna-se invocação e oração, discernimento e aceitação, encontro pessoal com o Senhor, seguimento de Jesus Cristo. “Este caminho implica um dinamismo espiritual pelo qual o homem passa da estagnação à mobilidade, da marginalização à comunhão, da cegueira à fé. Portanto, a salvação que consiste na relação com Jesus, é experienciada pelo crente não tanto como estado que atinge e em que se instala, mas como caminho em que persevera”.
Jesus, como bom pedagogo, sabe que formular um desejo ajuda muito quem necessita. Dar nome às coisas envolve a pessoa toda. E marca a diferença com as generalidades distantes. “Que queres que Eu te faça?”, adianta em jeito de abertura e proximidade. E o cego mendigo configura o seu desejo dizendo: “Mestre, que eu veja”. O dom da vista é para ele a questão decisiva. Já havia dado um passo, pois trata Jesus de modo diferente: de descendente de David, figura histórica, passa a mestre em quem confia, com quem quer manter uma relação pessoal. E os horizontes vão-se abrindo a um novo olhar. Com Jesus é possível ver a vida com olhos novos: a pessoa com a sua inviolável dignidade, a sociedade com espaços para todos, as comunidades eclesiais com a prática da relação fraterna entre os seus membros e com espírito solidário para com todos e para com tudo, o percurso existencial como oportunidade única de realização pessoal vivida em constante cidadania de justiça e amor.
“A Igreja Católica, portanto, não tem partido, mas tem projeto que é o projeto de Jesus de Nazaré: a Boa Notícia do Reino de Deus, ou, em outras palavras, a Sociedade do Bem Viver e do Bem Conviver, que é um Mundo Novo”, escreve em artigo recente Marcos Sassatelli, frade dominicano, a propósito das eleições presidenciais brasileiras.
Santo Agostinho, adianta por sua vez: “Que pode a alma desejar mais ardentemente que a verdade? De que outra coisa pode o homem sentir-se mais faminto? Para que deseja ele o paladar interior, senão para discernir a verdade, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a verdade, a eternidade?" (Sobre o Evangelho de S João, 5ª feira da semana 28 do tempo tempo comum, ano b).
“Vai: a tua fé te salvou”, diz-lhe Jesus. No mesmo instante, o cego mendigo recupera a vista e vai com Jesus, o caminho e a verdade da sua vida. Que maravilha! O desejo inicial dá origem à fé sanadora, à vocação de discípulo fiel, ao seguimento incondicional. O desejo de ver é premiado, a solidão transforma-se em comunhão, a margem faz-se caminho e a paciência resistente é compensada, A fé amadurece e vem robustecer a têmpera do cego mendigo. A celebração do batismo realiza em nós algo muito semelhante. Avivemos a nossa consciência cristã. E façamos, também nós, a oração enviada pela Pastoral das Cadeias de Espanha para este domingo: Senhor, dá-nos a luz dos teus olhos transparentes, que limpam os nossos de impureza e de mentira; dá-nos a serenidade do teu olhar que acalma e pacifica; dá-nos a força dos teus olhos que sustentam, trespassam e renovam; dá-nos a fundura do teu olhar que nos aproxima o mistério de Deus; dá-nos a paciência dos teus olhos que compreendem e perdoam; dá-nos a dor dos teus olhos que compartem o nosso sofrimento; dá-nos o amor dos teus olhos que só sabem amar; dá-nos os teus olhos, Senhor, para que possamos prolongar o teu olhar. Ámen!
Georgino Rocha
O narrador fornece dados precisos do ocorrido: Jesus está na periferia da cidade, símbolo de tantos lugares onde vivem os menos endinheirados, os mais empobrecidos. (Não são os provocantes bairros de luxo, com cerco e segurança privada). Aqui, está sentado Bartimeu, cego e mendigo. Outro símbolo de grande alcance, onde se podem rever milhões e milhões de seres humanos, nossos contemporâneos. Símbolo dos portadores de cegueira a todos os níveis, também religiosa. De quem quer começar a ver com os olhos de Jesus Cristo. A nós, portanto.
Bartimeu é um resistente atento e interventivo. Pressentindo algo de anormal pelo barulho da multidão, escuta com mais atenção e ouve falar de Jesus de Nazaré. Intui tratar-se de alguém que lhe pode valer e iluminado pelo instinto religioso dá-lhe nome: “Filho de David, tem piedade de mim”. Mandado calar, persiste, tal a força do seu desejo. A confiança inunda-lhe o coração que está pronto a tudo de bom. A ousadia vai ser premiada e o seu pedido, satisfeito.
Jesus assume uma atitude estranha: Pára a marcha, detém-se, manda que lhe tragam a pessoa que gritou e inicia o diálogo sanador. Alguém da multidão – há sempre pessoas anónimas amigas de bem-fazer! – vem dizer-lhe: “Coragem! Levanta-te que Ele está a chamar-te”. E os gestos do cego mendigo expressam bem o rebuliço dos seus sentimentos: Atira fora a capa de agasalho e de recolha das esmolas, dá um salto de prontidão, e aproxima-se de Jesus, guiado pela luz do espírito. Apesar de não ver, soltou as amarras da sua liberdade. E deixa que Jesus lhe faça a terapia do seu desejo. Grande exemplo para nós que queremos ser discípulos fiéis ao nosso batismo e a tantos outros benefícios recebidos.
“O texto evangélico apresenta-nos um caminho exemplar de fé”, afirma Manicardi, Comentário, p. 147… que nasce da escuta, torna-se invocação e oração, discernimento e aceitação, encontro pessoal com o Senhor, seguimento de Jesus Cristo. “Este caminho implica um dinamismo espiritual pelo qual o homem passa da estagnação à mobilidade, da marginalização à comunhão, da cegueira à fé. Portanto, a salvação que consiste na relação com Jesus, é experienciada pelo crente não tanto como estado que atinge e em que se instala, mas como caminho em que persevera”.
Jesus, como bom pedagogo, sabe que formular um desejo ajuda muito quem necessita. Dar nome às coisas envolve a pessoa toda. E marca a diferença com as generalidades distantes. “Que queres que Eu te faça?”, adianta em jeito de abertura e proximidade. E o cego mendigo configura o seu desejo dizendo: “Mestre, que eu veja”. O dom da vista é para ele a questão decisiva. Já havia dado um passo, pois trata Jesus de modo diferente: de descendente de David, figura histórica, passa a mestre em quem confia, com quem quer manter uma relação pessoal. E os horizontes vão-se abrindo a um novo olhar. Com Jesus é possível ver a vida com olhos novos: a pessoa com a sua inviolável dignidade, a sociedade com espaços para todos, as comunidades eclesiais com a prática da relação fraterna entre os seus membros e com espírito solidário para com todos e para com tudo, o percurso existencial como oportunidade única de realização pessoal vivida em constante cidadania de justiça e amor.
“A Igreja Católica, portanto, não tem partido, mas tem projeto que é o projeto de Jesus de Nazaré: a Boa Notícia do Reino de Deus, ou, em outras palavras, a Sociedade do Bem Viver e do Bem Conviver, que é um Mundo Novo”, escreve em artigo recente Marcos Sassatelli, frade dominicano, a propósito das eleições presidenciais brasileiras.
Santo Agostinho, adianta por sua vez: “Que pode a alma desejar mais ardentemente que a verdade? De que outra coisa pode o homem sentir-se mais faminto? Para que deseja ele o paladar interior, senão para discernir a verdade, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a verdade, a eternidade?" (Sobre o Evangelho de S João, 5ª feira da semana 28 do tempo tempo comum, ano b).
“Vai: a tua fé te salvou”, diz-lhe Jesus. No mesmo instante, o cego mendigo recupera a vista e vai com Jesus, o caminho e a verdade da sua vida. Que maravilha! O desejo inicial dá origem à fé sanadora, à vocação de discípulo fiel, ao seguimento incondicional. O desejo de ver é premiado, a solidão transforma-se em comunhão, a margem faz-se caminho e a paciência resistente é compensada, A fé amadurece e vem robustecer a têmpera do cego mendigo. A celebração do batismo realiza em nós algo muito semelhante. Avivemos a nossa consciência cristã. E façamos, também nós, a oração enviada pela Pastoral das Cadeias de Espanha para este domingo: Senhor, dá-nos a luz dos teus olhos transparentes, que limpam os nossos de impureza e de mentira; dá-nos a serenidade do teu olhar que acalma e pacifica; dá-nos a força dos teus olhos que sustentam, trespassam e renovam; dá-nos a fundura do teu olhar que nos aproxima o mistério de Deus; dá-nos a paciência dos teus olhos que compreendem e perdoam; dá-nos a dor dos teus olhos que compartem o nosso sofrimento; dá-nos o amor dos teus olhos que só sabem amar; dá-nos os teus olhos, Senhor, para que possamos prolongar o teu olhar. Ámen!
Georgino Rocha