Georgino Rocha |
Jesus anda pela Judeia e vai a caminho de Jerusalém, cidade do embate final, da morte por crucifixão, ante-sala da feliz ressurreição. Anda apaixonado pelo anúncio da novidade do Reino de Deus, que desenha uma nova situação para todas e cada uma das pessoas, irmãs em humanidade. Quer aproveitar esta fase final do percurso para deixar claros os valores fundamentais da realização germinal do projecto de salvação na história; valores que contrariam certos princípios da ordem estabelecida alicerçada em interpretações redutoras da Palavra de Deus. (Mc 10, 2-16).
Marcos, o evangelista narrador, dedica o capítulo 10 a esses valores, designadamente à igualdade na dignidade do homem e da mulher, sempre, mas sobretudo quando unidos em casamento por opção livre; vem depois a igualdade na sociedade, especialmente a partir dos esquecidos e marginalizados como são os que se assemelham a crianças no tempo de Jesus. São estes valores que queremos compreender bem, saborear, viver e, dentro do possível, na família e nos ambientes sociais em que vivemos e construímos.
A pergunta dos fariseus sobre a licitude do divórcio oferece uma boa oportunidade a Jesus para vincar a novidade de que portador. Não responde directamente à questão, mas faz remontar a relação do homem e da mulher ao sonho original do Criador. E reinterpreta a autoridade de Moisés, grande amigo de Deus e chefe do seu povo.
À solidão do homem, corresponde o Criador com a oferta da mulher, e a ambos é dada a regra de vida: Crescer em amor e companhia, em relação de mútuo enriquecimento e de fecundidade biológica e educativa, cuidar da terra, jardim da vida em harmonia e beleza, organizar a convivência humana, tendo em conta os ritmos da natureza e apreciando a entrega que lhes faz. E Deus viu que era tudo muito bom e belo, diz o texto das origens.
“Foi por causa da dureza do vosso coração”, esclarece Jesus. Moisés permitiu que se passasse certidão de divórcio, mas não foi assim no princípio da criação. E exorta a que se respeite a unidade original. E não diz mais. O seu parecer tem como centro as razões do divórcio, a dureza do coração que arrasta as outras capacidades humanas, designadamente a razão inteligente e livre. (Convém ter em conta a mentalidade actual e a legislação oficial, a par da publicitação dos meios de comunicação, sobre o divórcio e seus pretextos e que contrasta com o ideal das origens e a reinterpretação de Jesus).
“O que é essencial, afirma Manicardi no seu comentário ao Evangelho de hoje, p. 142, é entender o amor como esforço, como trabalho, como história, É importante passar do enamoramento ao viver com uma outra pessoa. O amor que juntou os dois deve tornar-se o amor que os dois escolhem tornando memorável o seu encontro: então o amor transformar-se-á em paciência, escuta, perdão, espera pelos tempos do outro, sacrifício, atenção, capacidade de suportar, reconciliação… Tornar-se-á um amor mais inteligente e fiel. Fiel porque inteligente”.
O amor conjugal, é dele que se trata, reveste-se de uma dignidade original que o Papa Francisco nos lembra na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Amor”. Esta exortação tem muito do Papa, mas é fruto de dois sínodos sobre a família, isto é, envolve a Igreja inteira. É caso para nos perguntarmos: Que fizemos destes ensinamentos tão preciosos e oportunos, mesmo nos diferentes modos de viver o amor sexuado entre as pessoas? E nas situações dos divorciados recasados que querem ser acompanhados e discernir a sua integração na comunidade eclesial onde participam na missa dominical? A luz que vem de Jesus ilumina os caminhos a percorrer pelos seus discípulos fiéis missionários. Por nós.
Moisés, o amigo de Deus e chefe do seu povo, manda que o homem, pelas razões invocadas, dê a certificado de divórcio à mulher. É uma decisão “revolucionária”. De contrário, pelas leis vigentes, a mulher ficava completamente isolada, sozinha, sem dignidade alguma nem possibilidades de sobrevivência digna. O marido que a repudiava mantinha o vínculo do contrato. O pai não a recebia porque já possuía o dote. Quem casasse com ela incorria em penas pesadas. Os filhos, se os havia, eram pertença do homem. Restava-lhe o trabalho servil, a prostituição, a desconsideração, a a morte lenta. Com o certificado, ficava liberta e podia dispor da sua vida. Grande acto de sã humanidade, tendo em conta a dureza de mentes rígidas e de corações insensíveis. Grande gesto de afirmação da igualdade que Jesus vem reforçar e redimensionar: a iniciativa do repúdio pode ser tomada, em plano de igualdade, pelo homem e pela mulher. Não é mais privilégio masculino. Mas é melhor que marido e esposa vivam em unidade de amor, de modo a expressarem que são como que “uma só carne”. Lindo sonho de Deus, a ser realizado no percurso humano de homem e mulher ao longo das suas vidas. Nunca plenamente conseguido, mas sempre prosseguido, pois casam no Senhor, como diz S. Paulo.
Os discípulos estranham a atitude rectilínea, mas compreensiva, de Jesus e, uma vez em casa, questionam o Mestre sobre este assunto. E Jesus confirma o que disse e recorre à força da imagem das crianças para facilitar a compreensão da novidade dos valores do Reino. Uns acompanhantes do grupo apostólico queriam apresentar as crianças a Jesus. Pretensão mal vista pelos discípulos. Ao ver o que estava a acontecer, Jesus indigna-se e “ralha-lhes": “Não as estorveis”. E chama as crianças, abraça-as, abençoa-as e impõe-lhes as mãos. Gesto simbólico da novidade do Reino, mas estranho à mentalidade comum dos judeus, pois a criança ainda não era gente legal, estava no último escalão da sociedade, era realmente o símbolo dos “nadas”, inúteis, dos totalmente dependentes. Que grande impacto há-de ter provocado no coração dos pobres discípulos! E quanto trabalho vai ainda ter Jesus para lhes abrir aquela “cabecinha”. Teve de lhes enviar o Espírito Santo e deixar que o tempo ajudasse. No dia 3 de Outubro de 2018, começa o Sínodo da Igreja sobre “os Jovens, a fé e o discernimento”. Acompanhemos os participantes, sobretudo o Papa Francisco e os bispos. Que o Senhor abra caminhos a quem alimenta sonhos de felicidade e quer acertar na sua vocação ao amor de realização pessoal e comunitária, ao serviço generoso e criativo em prol dos outros, da humanidade, da Igreja missionária.
Marcos, o evangelista narrador, dedica o capítulo 10 a esses valores, designadamente à igualdade na dignidade do homem e da mulher, sempre, mas sobretudo quando unidos em casamento por opção livre; vem depois a igualdade na sociedade, especialmente a partir dos esquecidos e marginalizados como são os que se assemelham a crianças no tempo de Jesus. São estes valores que queremos compreender bem, saborear, viver e, dentro do possível, na família e nos ambientes sociais em que vivemos e construímos.
A pergunta dos fariseus sobre a licitude do divórcio oferece uma boa oportunidade a Jesus para vincar a novidade de que portador. Não responde directamente à questão, mas faz remontar a relação do homem e da mulher ao sonho original do Criador. E reinterpreta a autoridade de Moisés, grande amigo de Deus e chefe do seu povo.
À solidão do homem, corresponde o Criador com a oferta da mulher, e a ambos é dada a regra de vida: Crescer em amor e companhia, em relação de mútuo enriquecimento e de fecundidade biológica e educativa, cuidar da terra, jardim da vida em harmonia e beleza, organizar a convivência humana, tendo em conta os ritmos da natureza e apreciando a entrega que lhes faz. E Deus viu que era tudo muito bom e belo, diz o texto das origens.
“Foi por causa da dureza do vosso coração”, esclarece Jesus. Moisés permitiu que se passasse certidão de divórcio, mas não foi assim no princípio da criação. E exorta a que se respeite a unidade original. E não diz mais. O seu parecer tem como centro as razões do divórcio, a dureza do coração que arrasta as outras capacidades humanas, designadamente a razão inteligente e livre. (Convém ter em conta a mentalidade actual e a legislação oficial, a par da publicitação dos meios de comunicação, sobre o divórcio e seus pretextos e que contrasta com o ideal das origens e a reinterpretação de Jesus).
“O que é essencial, afirma Manicardi no seu comentário ao Evangelho de hoje, p. 142, é entender o amor como esforço, como trabalho, como história, É importante passar do enamoramento ao viver com uma outra pessoa. O amor que juntou os dois deve tornar-se o amor que os dois escolhem tornando memorável o seu encontro: então o amor transformar-se-á em paciência, escuta, perdão, espera pelos tempos do outro, sacrifício, atenção, capacidade de suportar, reconciliação… Tornar-se-á um amor mais inteligente e fiel. Fiel porque inteligente”.
O amor conjugal, é dele que se trata, reveste-se de uma dignidade original que o Papa Francisco nos lembra na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Amor”. Esta exortação tem muito do Papa, mas é fruto de dois sínodos sobre a família, isto é, envolve a Igreja inteira. É caso para nos perguntarmos: Que fizemos destes ensinamentos tão preciosos e oportunos, mesmo nos diferentes modos de viver o amor sexuado entre as pessoas? E nas situações dos divorciados recasados que querem ser acompanhados e discernir a sua integração na comunidade eclesial onde participam na missa dominical? A luz que vem de Jesus ilumina os caminhos a percorrer pelos seus discípulos fiéis missionários. Por nós.
Moisés, o amigo de Deus e chefe do seu povo, manda que o homem, pelas razões invocadas, dê a certificado de divórcio à mulher. É uma decisão “revolucionária”. De contrário, pelas leis vigentes, a mulher ficava completamente isolada, sozinha, sem dignidade alguma nem possibilidades de sobrevivência digna. O marido que a repudiava mantinha o vínculo do contrato. O pai não a recebia porque já possuía o dote. Quem casasse com ela incorria em penas pesadas. Os filhos, se os havia, eram pertença do homem. Restava-lhe o trabalho servil, a prostituição, a desconsideração, a a morte lenta. Com o certificado, ficava liberta e podia dispor da sua vida. Grande acto de sã humanidade, tendo em conta a dureza de mentes rígidas e de corações insensíveis. Grande gesto de afirmação da igualdade que Jesus vem reforçar e redimensionar: a iniciativa do repúdio pode ser tomada, em plano de igualdade, pelo homem e pela mulher. Não é mais privilégio masculino. Mas é melhor que marido e esposa vivam em unidade de amor, de modo a expressarem que são como que “uma só carne”. Lindo sonho de Deus, a ser realizado no percurso humano de homem e mulher ao longo das suas vidas. Nunca plenamente conseguido, mas sempre prosseguido, pois casam no Senhor, como diz S. Paulo.
Os discípulos estranham a atitude rectilínea, mas compreensiva, de Jesus e, uma vez em casa, questionam o Mestre sobre este assunto. E Jesus confirma o que disse e recorre à força da imagem das crianças para facilitar a compreensão da novidade dos valores do Reino. Uns acompanhantes do grupo apostólico queriam apresentar as crianças a Jesus. Pretensão mal vista pelos discípulos. Ao ver o que estava a acontecer, Jesus indigna-se e “ralha-lhes": “Não as estorveis”. E chama as crianças, abraça-as, abençoa-as e impõe-lhes as mãos. Gesto simbólico da novidade do Reino, mas estranho à mentalidade comum dos judeus, pois a criança ainda não era gente legal, estava no último escalão da sociedade, era realmente o símbolo dos “nadas”, inúteis, dos totalmente dependentes. Que grande impacto há-de ter provocado no coração dos pobres discípulos! E quanto trabalho vai ainda ter Jesus para lhes abrir aquela “cabecinha”. Teve de lhes enviar o Espírito Santo e deixar que o tempo ajudasse. No dia 3 de Outubro de 2018, começa o Sínodo da Igreja sobre “os Jovens, a fé e o discernimento”. Acompanhemos os participantes, sobretudo o Papa Francisco e os bispos. Que o Senhor abra caminhos a quem alimenta sonhos de felicidade e quer acertar na sua vocação ao amor de realização pessoal e comunitária, ao serviço generoso e criativo em prol dos outros, da humanidade, da Igreja missionária.
Georgino Rocha