Georgino Rocha |
"É preciso um novo olhar e uma nova compreensão. Gente anónima faz muito bem, realiza a solidariedade activa na vizinhança e nas grandes causas da humanidade, especialmente quando se abate a tormenta fustigante. Os discípulos, que somos também nós, estão chamados a reconhecer esta onda de generosidade anónima e de a promover e iluminar com o sentido de um são humanismo redimensionado pela fé cristã."
João, o amigo de Jesus, aproxima-se d’Ele e faz uma declaração realista seguida de um pedido urgente. De facto, estava queixoso, bem como o grupo de discípulos, seus companheiros. No andar pelos caminhos da Galileia, deparam-se com o impensável: Gente estranha e desconhecida a agir em nome de Jesus e a expulsar demónios, Era demais para o seu modo normal de pensar, pois a eles estava confiado tal serviço. (Mc, 6, 6-13). Se outros o fizessem, sem andar na escola do Mestre, seriam igualados em tais práticas e privados daquilo que consideravam seu exclusivo. Por isso, havia que tomar posição: nada menos do que uma proibição formal, sem apelo nem agravo.
Marcos, autor do relato, refere em estilo claro e sem rodeios: “Mestre, nós vimos um homem a expulsar demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco”. (Mc 9, 38-48). João recorre a Jesus, porque os discípulos não tinham sido capazes de fazer valer a sua pretensão e sentiam uma certa frustração. Estavam incomodados e tecem comentários. E o exorcista anónimo continuava a exercer a sua função na prática do bem, de libertação de males diabólicos.
E o desconforto, já notório, como não terá ficado com a resposta de Jesus?! Resposta não de proibição ao agir do desconhecido, mas de censura e aconselhamento aos discípulos: “Não o proibais, porque ninguém pode fazer um milagre em Meu nome e depois dizer mal de Mim”. Resposta de reconhecimento pelo bem que outros, sem nome, vão fazendo nos caminhos da vida. E sem ligação pública à religião oficial. Fazem por iniciativa dos impulsos do coração compassivo e atenção a algum pedido recebido ou, talvez, por necessidade de obter ganhos sempre indispensáveis para viver. Resposta indiciadora da novidade que Jesus anunciava para dizer, de forma clara, quem é Deus e qual a abrangência do seu Reino na história da salvação. Resposta que indica com clareza o tipo de relacionamento entre os cuidadores da humanidade: Juntar esforços, dar as mãos, abrir caminho a uma cooperação generosa em prol do bem do mundo e sobretudo de quem mais sofre.
Jesus acrescenta na sua breve resposta: “Quem não é contra nós é a nossa favor”, isto é, a favor da luta que travamos contra as forças diabólicas do mal, contra a divisão radical em maus e bons, os de lá e os de cá, pois em cada um há sempre uma semente de bondade, ainda que seja a ruindade a brilhar mais, contra a corrupção da integridade moral, pois tal como numa nota de dinheiro amarrotada permanece o valor monetário, assim na pessoa espezinhada está sempre viva a sua dignidade.
Jesus dá a volta à sentença popular: “Quem não é por nós, é contra nós”. Sentença que apregoa a razão de alguns e exige o alinhamento de muitos outros; sentença que exclui os restantes, as grandes maiorias, de terem opinião e de poderem intervir naquilo que a todos diz respeito; sentença que denuncia a pretensão de um vanguardismo triunfante. Os discípulos ficam com outra senha de actuação: “Quem não é contra nós é por nós”. O ponto de partida é a bondade do agir humano, até prova em contrário. Não a exclusão, mas a inclusão. Não a reserva de intenções, mas a confiança nas relações.
É preciso um novo olhar e uma nova compreensão. Gente anónima faz muito bem, realiza a solidariedade activa na vizinhança e nas grandes causas da humanidade, especialmente quando se abate a tormenta fustigante. Os discípulos, que somos também nós, estão chamados a reconhecer esta onda de generosidade anónima e de a promover e iluminar com o sentido de um são humanismo redimensionado pela fé cristã.
A Igreja, pela voz do Concílio Vaticano II, declara solenemente: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e dos que sofrem, são também as … dos discípulos de Cristo, e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração”. Por isso, proclama a sua solidariedade, respeito e amor por toda a família humana, quer dialogar com ela e oferecer-lhe a luz esclarecedora do Evangelho e a força salvífica do seu Senhor. (GS 1 e 3).
Relendo a história da Igreja, quantas vezes a boa vontade redundou em desvios gritantes que se fazem ouvir ainda hoje.
As pessoas com enfermidades atribuídas ao demónio, que segundo a crença comum se apoderava delas e as torturava, eram atendidas por gente dotada de poderes especiais que recorre a mezinhas e gestos de exorcismo. Gente, sem nome, mas com um agir muito próximo de um curandeiro, bruxo, mago ou alquimista, gente que faz o que pode pelo seu próximo. Ainda hoje. Com os riscos acoplados. Com frequentes zonas escuras a pisar a dignidade humana, a sanidade mental, a distorção da vontade pessoal, a fazer recair “pesos” ancestrais e pressões anímicas sobre a pessoa vítima indefesa. E como é preciso empreender uma acção sanadora que liberte consciências oprimidas e restitua a saúde integral a quem padece tais tormentos. Acção evangelizadora no seguimento de Jesus que na sua missão destaca esta luta como prioritária.
Marcos continua o relato dando valor à preferência de Jesus por quem age em Seu nome. E menciona dois exemplos emblemáticos: Dar de beber um copo de água e acolher um pequenino. Que insignificância para a bolsa de valores da sociedade de então. E de hoje, em muitas situações. Que importância tem a gente sem nome que prossegue no quotifiano da vida os gestos de bem-fazer. Jesus reconhece-os como sendo a Si mesmo que são feitos, embora quem os realiza não saiba. Será tarefa do discípulo evangelizador desvendar esta faceta do agir humanitário, da solidariedade cívica, do voluntariado social, do agir religioso.
Marcos realça a urgência de remover todos os obstáculos à prátuca do bem com uma imagem/metáfora radical: Remover pedras do caminho dos “pequeninos”, seus preferidos; de contrário, seria melhor para quem dá escândalo ser lançado ao mar com um pesada pedra atada ao pescoço, isto é a morte por afogamento. O contraste é claro: Abrir caminhos, facilitar o percurso, acelerar o passo, criar condições favoráveis para que todos se encontrem na verdade e no bem.
Na exortação apostólica «A Alegria do Evangelho», o Papa Francisco dirigindo-se: “Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna, que se torne fascinante e resplandecente. Que todos possam admirar como vos preocupais uns pelos outros, como mutuamente vos encorajais, animais e ajudais… Cuidado com a tentação da inveja! Estamos no mesmo barco e vamos para o mesmo porto! Peçamos a graça de nos alegrarmos com os frutos alheios, que são de todos. (GS 99).
Quem faz o bem, age em meu nome, diz Jesus. Experimentemos o valor desta mensagem tão clara e tão inovadora. Acompanhemos o Papa Francisco, sobretudo durante o Sínodo dos Bispos sobre os «Jovens, a fé e o discernimento vocacional» que se realiza de 3 a 28 de Outubro de 2018, a iniciar esta semana.
Georgino Rocha