sexta-feira, 3 de agosto de 2018

JESUS, O PÃO DE DEUS, A VIDA DO MUNDO

Georgino Rocha

No mar da Galileia, próximo a Cafarnaúm, barcas vão e barcas vêm (Jo 6, 24-35). É a multidão que se agita ao ver que Jesus tinha deixado o local onde lhe dera alimento. É o coração humano, inquieto peregrino e incansável buscador de quem pode saciar as suas fomes e sedes. É a ousadia itinerante que não se detém enquanto não alcançar a fonte da alegria dos seus desejos profundos.
Que radiografia do nosso ser pessoal ressalta neste quadro singelo com uma moldura tão singular! Vale a pena apreciar. Pode ajudar-nos o pensamento de Pascal: “O coração tem razões que a inteligência não conhece”. E perguntar: Hoje, que buscam as multidões no frenesim das suas correrias?!
“A multidão procura Jesus, adianta o comentário da Bíblia Pastoral, desejando continuar na situação de abundância, isto é, governada por um chefe político que decide e providencia tudo, sem exigir esforço. Jesus mostra que essa não é a solução; é preciso buscar a vida plena, mas isso exige o empenho do homem. Além do alimento que sustenta a vida material, é necessária a adesão pessoal a Jesus para que essa vida se torne definitiva”.
A abertura à vida plena surge como a grande mensagem que Jesus, pedagogicamente, vai provocar em quem o procura. Em diálogo de pergunta e resposta. Em círculos cada mais concêntricos, mas progressivos. Com apoio nas lições do passado, dos nossos pais no deserto, e a novidade que está a emergir no presente promissor de um futuro em plenitude. Vamos acompanhar alguns passos deste percurso exemplar.

O encontro dá-se na outra margem do lago que contém algo a desvendar. É a outra face da realidade, o convite a não se deixar enredar na mera aparência, mas a penetrar no seu sentido encoberto. Quem não ultrapassa a “espuma das ondas” não chega a ver a transparência das águas e a descobrir a sua energia latente. E como é enriquecedor olhar a realidade com olhos de verdade!
O arcebispo Tolentino de Mendonça, ao falar à Ecclesia após a sua ordenação, faz declarações de elevado primor: “Jesus é o terapeuta do nosso olhar, o reconstrutor do nosso modo de ver”. “Os farrapos de mendigos que interiormente nos vestem têm a beleza dos lírios: é essa a lição”. “A minha vida não é minha, é uma vida dada, oferecida, sinto que sou obra dos outros e para os outros”. “Recebi sempre muito mais do que aquilo que dei”. “O aqui e o agora são o grande lugar onde Deus nos fala!”E escolhe para seu lema episcopal: “Como os lírios do campo”, aos quais reconhece tanta importância como à mais rica biblioteca do mundo.
A curiosidade da multidão recém-chegada está polarizada no tempo: “Mestre, quando chegaste aqui?”, pergunta que Jesus acolhe e redimensiona, centrando a motivação da procura e abrindo novos horizontes. A procura era devida à fartura do alimento que saciara a fome com a partilha dos pães abençoados e ao descanso que revigorara as energias físicas. Mas é preciso chegar mais longe, descobrir o sentido do sinal de Deus contido nesse gesto tão singular, abranger as situações dramáticas de quem não tem sustento, nem trabalho, nem casa, nem terra onde morar. Não basta a fé com suporte em milagres. É necessário entrar em sintonia com o coração de Deus que se espelha também em outros ritmos de doação generosa. Por isso, Jesus diz-lhes: Trabalhai pelo alimento definitivo que vos será dado por Deus, o Pai do Céu.
Os ouvintes mostram sintonizar com a exortação feita e perguntam: Que fazer para praticar as obras de Deus? E o centro das preocupações desloca-se claramente. Agora é Deus e a sua vontade que se deseja observar. E Jesus dá mais um passo: Acreditem no seu enviado. As pessoas respondem: Mas como podemos acreditar em Ti, se não fazes milagres nem obras de excepção? Esta resposta que é pergunta manifesta o reduzido grau da compreensão do que havia acontecido. E justificam o pedido com o exemplo do maná vindo do Céu no deserto. Esta é para elas a verdadeira prova da missão de Moisés. Mas de Jesus, ainda não tinham visto nada de extraordinário.
O diálogo prossegue com novas explicações que se encaminham para o núcleo central da catequese “eucarística” desenvolvida ao longo do sexto capítulo. O maná cede o lugar ao pão do Céu que Deus quer dar. Este sim é o verdadeiro. Este sim é o que dá a vida ao mundo. Este sim é o pão do alimento definitivo.
Então, o desejo do coração irrompe e expande-se com toda a força. Jesus é reconhecido como Senhor que pode agir em nome de Deus e fazer a sua obra. “Senhor dá-nos sempre desse pão”. É pedido suplicante, talvez ainda motivado por interesses óbvios e imediatos. Mas deixa aberta a janela do coração humano desejoso de saciar as suas outras fomes. E tantas são: De amor e sentido para a vida, de água e alimento, de saúde, de compreensão do tempo e da história, de esperança nas lutas e canseiras, de vontade de chegar à verdade que ilumina a liberdade, de relação saudável e equilibrada com os outros, de cuidado, conservação e harmonia da natureza, de saber habitar como humanos na casa comum, de justiça social, imbuída de misericórdia para com todos, sobretudo para as vítimas silenciadas, de reconhecer os frutos da terra e do trabalho que são, por intervenção do Espírito Santo, dons da salvação, celebrada em Eucaristia na assembleia eclesial, sobretudo ao domingo.
E esta é a obra de Deus que os discípulos estão agora encarregados de prosseguir.
“Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede”, diz-lhes Jesus como resposta emblemática da sua missão salvadora. E surge a harmonia desejada: Deus oferece o que o coração humano procura na sua aspiração mais profunda e elevada. E surge a comunhão mais perfeita em Jesus Seu Filho e irmão de todas as pessoas. Que dignidade e nobreza as nossas! Aprecia e aceita que Jesus é o pão de Deus que dá a vida ao mundo. 
Georgino Rocha

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