Georgino Rocha
Em busca de horizontes rasgados
O clima social tem novos coloridos em tempo de páscoa. A psicologia humana vibra de modo diferente. As culturas e as religiões, especialmente no Ocidente, definem pautas de comportamento colectivo e estabelecem ritos de reconhecido alcance simbólico. As igrejas cristãs, sobretudo a católica, acolhem ritmos populares de grande riqueza expressiva e organizam cerimónias que, por vezes, são autênticas celebrações comunitárias de fé pascal. Tudo se conjuga para o ser humano redimensionar o melhor de si, recorrendo a vários tipos de exibição que, certamente, serão transparência do coração, da consciência profunda, do húmus que se vai vivificando no interior de cada um/a.
De facto, a folga da Páscoa proporciona uma bela oportunidade para se verificar que o ser humano “está em trânsito”, é peregrino de outras realidades, tem de morrer para se abrir a novas dimensões e dar-lhes vida, experiência a urgência do tempo fugaz e o desejo profundo de ter algo a que se agarrar para sentir segurança, anela por um futuro que saboreia a “conta-gotas”. E a páscoa da humanidade aponta claramente para a Páscoa nova e definitiva.
Embora correndo o risco de alguma ligeireza, o mosaico de manifestações da eterna peregrinação humana faz-nos ver a agitação febril e o turismo de toda a espécie, a procura de espaços de silêncio e de contemplação, as decorações de símbolos floridos e as representações artísticas evocativas de outras realidades, as músicas e as canções com frenesim da nova aurora, os gestos solidários de fraternidade, as acções generosas dos voluntários de causas humanas, o sorriso das crianças e a ousadia confiante dos jovens, a constância paciente dos adultos, a esperança alegre dos idosos. Tudo e todos, estamos a caminho de realidades diferentes que nos desinstalam das nossas zonas de conforto e nos lançam em novas aventuras. E surge o apelo que somos chamados a escutar e a atender: Assumir com consciência lúcida e dar a resposta correspondente à fase em que cada um/a se encontra, gérmen de outras que integram o nosso percurso existencial.
A páscoa dos cidadãos espelha-se em muitos rostos humanos, à procura de algo que lhes escapa mas que intuem com o desejo de alcançar: Saciar a fome do infinito, afirmar a solidariedade fraterna, celebrar a fé cristã no Senhor Jesus, morto e ressuscitado; escapa-nos o que somos na ânsia legítima do que queremos ser. Três episódios podem exemplificar esta luta interior de cada pessoa.
“Tratamos os náufragos como pessoas e não como gente indocumentada e ilegal”, declara o entrevistado espanhol responsável de uma embarcação que actua no mar do Mediterrâneo nas operações de salvamento dos fugitivos das suas terras de origem e em busca de refúgio para sobreviver. O episódio ocorreu há dias. A notícia foi divulgada a 19 de Março de 2018. As autoridades italianas intercetam o barco e interrompem a rota, proíbem a sua acção humanitária e intimam a tripulação e o comandante. Este não se resigna e advoga a causa que prossegue ao abrigo da legislação internacional. Resiste e denuncia. Permanece no seu posto de sentinela salva-vidas, embora correndo grandes riscos. E a páscoa humana brilha no seu melhor: arriscar a vida para salvar outras!
Uma pessoa idosa vem das compras empurrando o carrinho. Escorrega e cai. Fica no chão e começa a sangrar. Não consegue erguer-se. Passa uma mamã que passeava o seu bebé. Pára, aproxima-se, vê e começa a limpar o sangue do ferimento. Chega uma outra senhora que traz mais lenços de papel. Procuram erguer o acidentado. É grave a situação. Um jovem turista alerta, pelo telemóvel, a brigada da polícia que fazia ronda. Esta, por sua vez, chama a carrinha e acompanha o idoso ao hospital, salvaguardando os haveres comprados. E o acidente ocorrido dá azo a uma onda crescente de solidariedade efectiva. Todos os intervenientes têm espaço para o outro, o acidentado, o ferido. Como não ver em “pano de fundo” o samaritano da parábola de Jesus?!
A Igreja católica, por meio do Papa Francisco e de tantos outros, quer dedicar aos jovens maior atenção. Tem em marcha a preparação do Sínodo que vai realizar em Outubro próximo. Entretanto, iniciativas de grande alcance são realizadas, de que se destacam ultimamente a assembleia dos jovens em Roma e a celebração do Dia Mundial no domingo de Ramos. A acompanhar este percurso, surge, em boa hora, a publicação do livro “Deus é jovem”, fruto da conversa orientada de Thomas Leoncini com o Papa Francisco. Uma maravilha! Uma forte convicção atravessa todo o diálogo: A aliança dos jovens e dos idosos, chave de uma sociedade mais humana e de uma Igreja mais evangélica.
Ao falar-lhes na homilia daquele domingo, diz-lhes no seu tom apelativo: “Decidam-se! Cabe a vocês a decisão de gritar, cabe a vocês se decidirem pelo Hossana do domingo para não cair no «crucifica-O» de sexta-feira... E cabe a vocês não ficar calados. Se os outros calam, se nós, idosos e responsáveis, tantas vezes corrompidos, silenciamos, se o mundo se cala e perde a alegria, pergunto-lhes: vocês gritarão?" E concluiu: "Decidam-se antes que gritem as pedras”.
É a Páscoa em outra tonalidade: Ritmo jovem, profecia em movimento; afirmação da vida, pujante de seiva nova; semente de esperança, garantia de futuro promissor para todos: os presentes e os vindouros. Em solidariedade intergeracional. Na alegria dos passos que vamos dando nesta peregrinação da história a caminho do tempo sem fim. Nos braços de Jesus ressuscitado.