sábado, 3 de fevereiro de 2018

IDE VER QUANTOS PÃES TENDES

Reflexão de Georgino Rocha



A exortação de Jesus aos discípulos é dirigida à Igreja de todos os tempos. Também às paróquias, espaços locais mais próximos às pessoas onde se tece o viver quotidiano cristão. É fruto da compaixão que sente pelas multidões famintas e cansadas. Que contraste tão interpelante com a atitude dos que o acompanham e pretendem ser seus seguidores. Estes querem desfazer-se do problema, evitar complicações, silenciar a consciência, “lavar” as mãos. Longe da vista longe do coração. A sorte das pessoas pouco lhes importa. Mesmo que morram de fome. É a sensibilidade desviada, a indiferença ostensiva, o conselho da fuga às situações difíceis. Como se torna urgente educar a compaixão, reorientar o olhar, reganhar a confiança, promover a empatia! Como ficará enriquecido o nosso agir pastoral com esta “seiva” que brota da missão pública de Jesus!
“Manda-os embora, para irem aos campos e aldeias comprar de comer” (Mc 6, 34-36). Abandonadas e sem forças, entregues a si mesmas, com a noite a chegar, que esperança pode dar alento aos seus esforços. Jesus ignora o conselho e sintoniza com o ritmo do coração faminto prestes a perder o ânimo. Enche-se de compaixão e provoca a “reviravolta” indispensável e sensata. Envolve os discípulos na procura da solução. Nem fuga à realidade por facilidade, nem recurso ao seu poder singular; nem partir do zero como se nada existisse ou as pessoas fossem destituídas, nem esperar que resolvam o problema com recurso apenas às capacidades próprias. Todos, em acção concertada, assumem a situação e dão-lhe resposta convincente.
“Ide ver quantos pães tendes”. Foram, viram, encontraram um bom farnel e aceitaram fazer a partilha. E os pães e os peixes, nas mãos de Jesus, adquirem um novo sentido, cheio de simbolismo. Os discípulos entram em ritmo cadenciado pelo desejo imperioso do Mestre. E até as multidões aguardam pacientes a sua hora, obedecem às orientações dadas, organizam-se em grupos, aceitam a porção que lhes cabe e não deixam que nada se perca. Jesus não se relaciona com multidões. Para ele todos são pessoas, dignas da maior consideração.
O programa pastoral 2017/18 da nossa diocese tem como enquadramento bíblico e guia emblemático da 2.ª fase da sua realização a passagem de Marcos 6, 37-40. Assume como desafio englobante realinhar o comportamento dos cristãos pelo seguimento de Jesus Cristo, rosto misericordioso do Pai. A começar pelo cultivo da compaixão tão evidente no Evangelho e recomendada pelo Papa Francisco e pelo nosso Bispo. Sem ela, tal como nos refere o texto citado, os discípulos cumprem tarefas, dão conselhos inoportunos e desadequados, administram serviços, são funcionários do sagrado. E correm o risco de ter de mudar radicalmente de orientação e de disposição.
Esta atitude pode inspirar uma séria revisão do nosso agir pastoral. Quantas pessoas gravitam à volta da instituição eclesial e querem ajuda sem encontrar resposta adequada! Não será difícil encontrar adolescentes em convulsão, namorados em união de facto, noivos à procura de sentido para a sua opção pelo matrimónio, católicos divorciados recasados civilmente, casais desejoso de viver as bem-aventuranças no seu itinerário existencial, famílias desestruturadas, cristãos empenhados na sociedade e suas organizações à espera de apoio pastoral para as opções a fazer em consciência, e tantas outras situações desafiantes. Aguardar que venham é supor que estão motivados e reconhecem a importância da ajuda que a Igreja lhes pode oferecer. Mas, o programa referido aponta noutra direcção: “Onde está o teu irmão”? É preciso ir onde as pessoas se encontram, sobretudo no pulsar da vida e das expectativas. E dar-lhe o alimento revigorante, a presença amiga e próxima, a palavra esclarecida e inteligível, o pão da eucaristia e dos outros sacramentos, a bênção do Senhor nos gestos eclesiais.
Mas como? As nossas paróquias, de que recursos, humanos e materiais, dispõem para atender quem lhes bate à porta? Que serviços e horários funcionais têm organizados e adequados ao ritmo da vida das pessoas? Que ambiente de acolhimento e de escuta, de discernimento e acompanhamento lhes oferecem em ordem a satisfazer “as fomes” actuais? Em que condições é servido o pão da vida que o Senhor Jesus nos deixa como memorial da sua entrega por nós e pela humanidade, abrangendo toda a criação? Outras perguntas podem ser feitas, a partir das situações concretas, e abrir caminhos de realismo apostólico pedido pelo programa pastoral em curso na diocese. A hora é de esperança na renovação, de reforma nas estruturas e de empenho na missão de bem servir a humanidade de também fazemos parte.

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