Anselmo Borges
1. "O Papa Francisco é hoje um dos homens mais odiados no mundo." Esta afirmação recente pertence a Andrew Brown, no The Guardian, que acrescenta: "E quem mais o odeia não são ateus, protestantes ou muçulmanos, mas alguns dos seus próprios seguidores."
Pessoalmente, não sei se trata mesmo de ódio, mas tenho a convicção firme de que Francisco tem na Igreja muitos opositores e inimigos, furiosos por causa das reformas que está a operar e por verem os seus interesses, incluindo o clericalismo e o carreirismo, ameaçados. Sobretudo na Cúria Romana, que, como já aqui escrevi, quando se olha de modo atento para a história, foi fazendo mais ateus do que Marx, Nietzsche e Freud juntos.
Mas, por outro lado, Francisco é hoje um dos líderes mundiais mais estimados, amados e influentes do mundo. A simplicidade e a humildade, a simpatia e o afecto, reais e genuínos, que manifesta pelas pessoas, a começar pelos mais débeis, fragilizados, abandonados, o seu amor pelas periferias geográficas e existenciais, tornaram-no uma figura popular em toda a parte.
2. O que leva os seus críticos, conservadores radicais, a detestá-lo de tal modo que chegam a pretender declará-lo herético, esperando que, pelo menos, venha rápida a sua morte ou a sua resignação por incapacidade de levar avante a sua missão? Tão simples como isto: apareceu no Vaticano um Papa cristão, que procura seguir o Evangelho de Jesus por palavras e obras.
Assim, pensando nas objecções dos que o guerreiam, pode-se esclarecer a situação fazendo algumas perguntas. Dou exemplos. Já se pensou suficientemente que foi o poder religioso da altura que condenou Jesus à morte? E porquê? Porque Jesus pôs concretamente os sacerdotes do Templo perante a pouca-vergonha de se servirem de Deus para explorar o povo. Então, não tem Francisco razão quando, na linha de Jesus, faz apelo ao poder como serviço? Não tem razão quando exige tolerância zero para a pedofilia e a transparência toda para o banco do Vaticano? Não tem razão quando pugna por uma Igreja não auto-referencial, mas em saída, "hospital de campanha"? Uma Igreja descentrada, sinodal, onde todos participam nas várias instâncias, porque "a Igreja somos nós todos" e o que é de todos deve ser decidido por todos? E ainda poderá a Igreja continuar na sua misoginia? Não tem razão Francisco quando se põe a questão de ordenar homens casados, também porque as comunidades cristãs têm direito à celebração da Eucaristia? Não tem razão quando denuncia o vaticano-centrismo, a pompa da Cúria, de cardeais e bispos, a hipocrisia, o "Alzheimer espiritual", o narcisismo, e diz que "a corte é a lepra do papado"? Não tem razão nas suas visitas pastorais pelo mundo, visitando (só Deus sabe o seu sacrifício pessoal) os que mais sofrem e anunciando e combatendo pela paz? Não tem razão quando coloca como centrais o diálogo ecuménico com as diferentes Igrejas cristãs e o diálogo inter-religioso, nomeadamente com o islão moderado e com o budismo, o diálogo com as neurociências e as novas tecnologias? Quando denuncia o "deus Dinheiro"? Não tem razão quando afirma que "o confessionário não pode ser uma câmara de tortura, mas um encontro com a misericórdia do Senhor" e que algumas pessoas num segundo casamento ou união civil "podem estar a viver na graça de Deus, podem amar e também crescer na vida da graça e da caridade, recebendo a ajuda da Igreja com esta finalidade" e que, após aconselhamento, reflexão, atenção à consciência, "em certos casos, isto pode incluir a ajuda dos sacramentos", sublinhando que a Eucaristia "não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio poderoso e alimento para os fracos"? Não tem razão quando pressupõe que a moral católica não pode ter o seu centro no pecado do sexo? Em suma, quando afirma que é necessário retomar o Concílio Vaticano II, levando-o avante?
3. Muitos desiludiram-se com Francisco. Mas deste modo, como disse recentemente o jesuíta Michael Bordt à Der Spiegel: "Sim, ele está a desiludir muitos, tanto as pessoas que gostariam que pactuasse com a Cúria como os conservadores. O Papa é realmente alguém que sabe desiludir. Faz o que julga correcto, independentemente de os outros considerarem isso fantástico ou não. É-lhe indiferente o que os outros pensam dele." O seu caminho é o de Jesus.
Que assim é mostrou-o, mais uma vez, no discurso de boas-festas natalícias à Cúria. Consciente da dificuldade em reformá-la, afirmou que lhe vem à mente "a simpática e significativa expressão de monsenhor Frédéric-François-Xavier De Mérode: "Fazer a reforma em Roma é como limpar a Esfinge do Egipto com uma escova de dentes."" Reconhecendo "a universalidade do serviço da Cúria que provém e brota da catolicidade do ministério petrino", que designa como "primado diaconal", previne: "Uma Cúria encerrada em si mesma atraiçoaria o objectivo da sua existência e cairia na auto-referencialidade, que a condenaria à autodestruição." Neste contexto, exigiu a necessidade de "superar a desequilibrada e degenerada lógica das intrigas e dos pequenos grupos que na realidade representam, apesar das suas justificações e boas intenções, um cancro que leva à auto-referencialidade, que se infiltra também nos organismos eclesiásticos enquanto tais e, em particular, nas pessoas que neles trabalham". Outro perigo: "O dos traidores da confiança ou dos que se aproveitam da maternidade da Igreja, isto é, pessoas que foram seleccionadas com cuidado para dar maior vigor ao corpo e à reforma, mas, ao não compreender a importância das suas responsabilidades, se deixam corromper pela ambição e a vanglória e, quando são delicadamente afastados, autodeclaram-se equivocadamente mártires do sistema, do "Papa desinformado", da "velha guarda"..., em vez de entoarem o mea culpa."