Nossa Senhora da Conceição - Gafanha da Nazaré |
Na festa da Imaculada Conceição
Maria, a cheia de graça, é apresentada pela Igreja como a mulher escolhida para ser a Mãe de Jesus e dar rosto humano a quem se prepara para o Natal do Senhor. Olhando para ela, sentimos a esperança como motor do caminho a percorrer, a alegria como energia espiritual a elevar o coração, o sonho da comunhão a fazer-se realidade no dia-a-dia.
Maria de Nazaré, a Senhora da Conceição, vê reconhecida pelo Anjo de Deus a sua singularidade: Desde os primeiros instantes da existência no seio de Ana, sua Mãe, é abençoada com a graça da integridade, isenta do inumano que há na nossa natureza pessoal, liberta da tendência para a autoafirmação eivada de presunção e orgulho, típicos dos protagonistas dos alvores da criação, Eva e Adão. Conserva intacta esta graça durante a sua vida e corresponde-lhe generosamente. Por isso, a Igreja a celebra como a Imaculada, a Virgem-Mãe, a Senhora do sim total. E Portugal a consagra como sua Padroeira, após a restauração da independência, confirmando uma tradição antiga do nosso povo.
“Tendo entrado onde ela estava”, refere Lucas no relato do encontro do Anjo Gabriel com Maria. (Lc 1, 26-38). Em estilo solene e diáfano, demarca assim onde se faz o diálogo da anunciação. É uma afirmação lapidar que pode servir-nos de “ponto de partida” para uma reflexão encorajante. Onde está Maria? O programa pastoral 2017/2018 da nossa Diocese faz outra parecida: “Onde está o teu Irmão?” E o Evangelho induz-nos a outra ainda mais pertinente: “Onde estou eu”? As respostas têm de ser dadas no santuário da nossa consciência como faz Maria, após diálogo de clarificação confiante.
Em casa dos Pais, pode responder-se, reportando-nos ao espaço físico. Mas há outros não menos importantes. Está no desempenho das tarefas domésticas, em reflexão sobre notícias preocupantes da vizinhança, em oração reconfortante que alimenta a esperança na vinda do Messias prometido a Israel, seu povo, em divagação mental com os sonhos de noivado com José, em visão antecipada da sua vida familiar em Nazaré. Em tudo, estava em si mesma, com a educação recebida de seus Pais e avós, com o fervor religioso alimentado na assembleia da sinagoga, onde se fazia o culto semanal, aos sábados e participado pelos vizinhos piedosos. E o Anjo vem encontrar-se com ela, desvendando a grandeza do seu estado: “Alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”.
Que novidade reconfortante para os Pais que, como Ana e Joaquim, cuidam da educação dos filhos com esmero e dedicação. Abertos à presença de Deus que quer o melhor para todos, especialmente para as crianças como Jesus mostrará ao abraçá-las e ao recomendar aos discípulos: “Deixai-as vir a Mim; não as impeçais”. Como será encorajante sentir que este desvelo de Deus é vivido pelos pais de hoje no seio das nossas famílias. Que Ana e Joaquim nos inspirem e estimulem na realização desta delicada missão. Não deixemos defraudar a confiança que Deus tem em nós e nos familiares mais chegados aos pais e avós.
“O que aconteceu em Maria, afirma uma mulher teóloga ao comentar o Evangelho de hoje, não é uma excepção, mas a verdadeira «regra» que Deus pensou para todos nós quando nos criou. Pois saímos das suas mãos e, portanto, somos bons por natureza. Ao contrário do que podemos pensar a conceição imaculada converte Maria numa criatura ainda mais humana, já que o pecado não é de Deus, nem está inscrito na nossa natureza”[i]. A autora tem em conta a dignidade original de Eva e Adão e vê Maria no seu prolongamento. A tradição bíblica refere que o sonho de Deus é perturbado com a atitude de Eva que contagia Adão de quererem ser donos da sabedoria moral, por meio da liberdade do desejo. Ao não aceitarem os seus imites, introduzem o que veio a ser chamado pecado, desfigurando o humano que, de novo, se configura em Maria, a Mãe de Jesus. E o pecado manifesta-se na alteração de valores e na confusão de verdades. Dai, o cortejo de atropelamentos à dignidade humana onde Deus se revê com a transparência original.
A festa de Maria representa a nova oportunidade que Deus oferece à humanidade, não apenas porque a faz voltar às origens, mas porque lhe abre as dimensões do futuro que Jesus vem inaugurar. Vale a pena recentrar a mensagem que a festa da Imaculada Conceição nos traz e viver a alegria do Evangelho, dando testemunho da esperança que nos anima.
Georgino Rocha