Opção de divorciados recasados
A experiência menos feliz do primeiro casamento exige certamente a quem opta por um segundo uma séria ponderação e uma grande maleabilidade para suavizar surpresas e ter garantias de acertar. Exigência prévia no início, mas também em toda a caminhada conjugal. Exigência mobilizadora de energias e capacidades que serão compensadas pela felicidade alcançada no futuro. Exigência que pode levar o novo casal a procurar ajuda junto de quem vive a mesma experiência ou de quem mantém com alegria serena e confiante a primeira opção matrimonial.
Tenho vindo a ler relatos vários e a acompanhar iniciativas diversas, a ler artigos de revista e livros que procuram abrir horizontes a este vasto campo onde o sonho se confronta com os limites da realidade e o desejo de acertar com as hipóteses de insucesso. E o casal em segundas núpcias sente-se inseguro, pressionado pela força da nova opção, “assaltado” pela memória do fracasso ocorrido, vigiado por um olhar estranho e acusatório, sobretudo de certos cristãos.
Partilho esta urgência pastoral numa reunião de preparação do encontro de casais do movimento das Equipas de Nossa Senhora. E surgem opiniões que alargam o horizonte da conversa. O amor conjugal está exposto a provocações frequentes e graves – diz um. E concretiza: A facilidade de contactos na rede virtual, a onda erotizada da opinião publicitada, o assédio em ambientes de trabalho, a fragilidade de convicções em relação ao amor e de certezas sobre a sua durabilidade. Adianta outro: A família tende a desestruturar-se, casais são impelidos a viver separados por longos períodos por afazeres profissionais, filhos são estimulados por surpreendentes solicitações e entregues à voracidade das paixões sem esteios de referência ética. E em jeito de quem prevê caminho a seguir, afirma: Temos de assumir começar por casa e procurar que o nosso testemunho seja irradiante e a nossa palavra respeitosa e convincente.
Faço minhas as observações apresentadas e sublinho a importância do testemunho e da palavra. Oxalá irradiem de tal modo que despertem nos jovens e nos divorciados recasados a estima pelo matrimónio sacramental e a vontade positiva de dar passos na escolha do que é melhor como exortava S. Paulo os cristãos de Filipos, exortação surgida num contexto determinado, mas agora muito actual e prática para iluminar as fases da ajuda pastoral a divorciados recasados. (Fl 1, 3-11).
“A Alegria do Amor”, do Papa Francisco, está ainda “em fase de assimilação” em Portugal, mas motiva já uma nova dinâmica pastoral perante os desafios das famílias, afirma D. Joaquim Mendes, presidente da Comissão Episcopal para o Laicado e a Família, no encontro dedicado à “Família e transformação social”; encontro realizado em Fátima a 21 de Setembro de 2017. Faz assim uma avaliação da atenção que os cristãos e seus responsáveis, tanto em dioceses como em paróquias e movimentos, têm dado a tão importante exortação apostólica.
Escolher o que é melhor é propósito de quem assume com honradez e valentia a vida e seus desafios; aspira sempre ao ideal e valoriza o passo possível; confiado nas razões fundadas na natureza e no esforço pessoal e, neste caso, conjugal, na possível ajuda dos familiares e amigos, na graça de Deus que não falha. Valorizar o passo possível desinstala, faz apreciar o bem alcançado, desejar prosseguir (as margens do possível frequentemente podem alargar-se) e fazer a experiência de que Deus está na caminhada em busca do melhor para a situação concreta, celebrar esta presença que abençoa e impulsiona a avançar. Escolher o melhor é sabedoria que o discernimento quer proporcionar. Como é urgente treinar esta arte quer a nível pessoal e familiar, quer a nível institucional e comunitário.
D. Manuel Clemente, no final da Assembleia do Episcopado a 16 de Novembro, propôs uma atitude fundamental a desenvolver: a de “acolhimento”, de “acompanhamento” e “discernimento” dos divorciados recasados, assinalando que “em grandíssimo número de casos” o matrimónio foi nulo. E sublinha que a possibilidade de readmissão destes católicos aos sacramentos, implica um itinerário "muito longo" e não é uma decisão “rápida, imediata, simples”. Trata-se de uma coisa séria”.
Os desafios da família constituem uma excelente oportunidade para relançar uma nova dinâmica pastoral. Demos as mãos. Há tanta iniciativa solta. Sejamos realistas. Há tanta reflexão genérica, fria e distante. Ousemos mais e melhor. Há capacidades adormecidas que esperam ser despertas.