“A Igreja deve ser e parecer mais séria no seu agir pastoral, sobretudo em relação ao matrimónio”, diz-me sem floreados e com ares de grande convicção um amigo que se vem dedicando a situações complexas de harmonia conjugal. Escuto-o com muita atenção porque também estou preocupado e o assunto envolve a vida de tantas pessoas, a credibilidade da mensagem cristã e a honestidade de agentes pastorais. E surgem, ora dele ora de mim, ditos do Papa Francisco, de D. António Marcelino, de párocos e de outras vozes autorizadas pela sua dedicação a promover a educação para a sexualidade no homem e na mulher, a beleza do casamento entre estes e a “desatar nós” quando o amor sonhado se dilui e desaparece.
A conversa faz desfilar a caminhada de preparação para a relação entre jovens e sua evolução para o casamento, a fase do noivado, o amadurecimento da opção pelo matrimónio alicerçada no propósito sincero de viverem a felicidade conjugal mútua. Recordei, com sentido de oportunidade, o testemunho ouvido no programa “Porque hoje é Domingo” da Radio Renascença que dizia: “Quero fazer-te feliz na medida das minhas possibilidades e das tuas necessidades”. Ficou encantado o amigo advogado, corroborando a minha percepção de que aqui estaria uma formulação acertada do propósito a viver pelo casal ao longo da sua história familiar. A viver e a alimentar. A alimentar e a transmitir.
A construção do “nós” conjugal lança raízes neste desejo mútuo que laboriosamente vai tomando forma. E é alimentado pela atenção constante ao bem do outro e selado pela aliança de amor fiel e definitivo.
“Sois uns privilegiados na Igreja e no mundo”, afirma o Cardeal Godfried Danneels, dirigindo-se aos casais das Equipas de Nossa Senhora. E faz-lhes um apelo veemente a que trabalhem e vivam para os outros, pois é-se verdadeiramente privilegiado quando se consegue “descobrir a profundidade do amor conjugal e paternal”; descobrir, conservar e cultivar. O arcebispo emérito de Bruxelas condensa a sua mensagem com a garantia de que o ministério especial dos membros das Equipas é testemunhar o ideal do casal cristão e permanecer seres de compaixão para com aqueles que fracassaram.
O fracasso matrimonial é normalmente o desfecho de um processo. As suas primeiras manifestações podem vir de longe, mas envolvem sempre a primazia do eu sobre o nós, a afirmação do que nos distancia e separa e o esquecimento do que nos une, a busca do bem pessoal em detrimento do bem do outro ou da família. O caos conjugal só pode ser superado com a alteração deste modo de viver a relação com o outro, o cônjuge escolhido e aceite, com o lugar do “eu” na realidade do “nós”. Que tarefa desafio acolhe a Igreja a que tem o dever de dar a ajuda possível. Sem se impor ou substituir ninguém, mas ajudando a quem está directamente abrangido e quer superar a situação preocupante.
Seres de compaixão, como pede o Cardeal Danneels e as Equipas testemunham em experiências credenciadas, quer dizer casais próximos e amigos, prontos para a ajuda, sem intromissões, atentos ao momento vivido por quem está em crise, e pacientes no acompanhamento, orientados pela verdade da situação e pela beleza do ideal a atingir, o bem maior possível.
A família é a forma tipicamente intensiva da aliança de amor, “aquela que nos permite apreciá-la dia a dia”, declara em entrevista Pierangelo Sequeri, diretor da Faculdade Teológica da Itália setentrional; aliança entre homem e mulher que “é importante para todos, para o mundo, para o planeta, para o gênero humano. Independentemente de que alguém se case ou não, que faça amizade com este/a ou aquele/a”.
E o entrevistado prossegue a sua reflexão dizendo: “Se a aliança entre homem e mulher envolve a inteira vida do mundo – o trabalho, a técnica, a política, a forma das cidades – sob o signo de uma boa relação entre estes dois que depois podem individualmente fazer suas escolhas, nós teremos um tipo de sociedade no qual cada um aprenderá em todo caso a proteger o bem desta aliança”.
Que grandeza da harmonia conjugal enquanto símbolo da aliança de amor! Aprofundar o seu alcance e desentranhar os seus dinamismos é tarefa que a todos diz respeito, especialmente a quem se preocupa com a consistência da opção pelo matrimónio e da riqueza que ele comporta para a sociedade e para a Igreja.
Georgino Rocha
Nota: Imagem da rede global
Nota: Imagem da rede global