Senhor Lázaro
Desculpe a minha ousadia, mas tenho necessidade de expressar os meus sentimentos a propósito do seu reviver após a morte. O Evangelho de João faz um belo relato, mas não regista nenhuma palavra sua. Indica apenas atitudes. Reina um silêncio que parece ser a linguagem única que emerge da gruta onde esteve sepultado. Ou, então, um convite a que não se perca o fundamental: Jesus de Nazaré, seu especial Amigo, tem poder sobre a morte e antecipa um sinal da ressurreição que irá viver, após a morte por crucifixão no Calvário.
Expresso a minha necessidade como padre católico. Vivo em Portugal, um cantinho da Europa junto ao Atlântico. Estudo as Escrituras há muitos anos e encontro sempre dimensões novas nos textos sagrados. O que se refere à sua família desperta-me especial interesse. Aprecio o ambiente de Betânia e admiro a mensagem que brilha na relação fraterna com as suas irmãs, especialmente quando cai doente. Quantos cuidados não teriam consigo e que solicitude em avisar o Amigo comum. Bem sei que o autor do relato, na altura em que o escreve, tem em conta o que aconteceu para destacar e sublinhar algumas características da comunidade cristã e do estilo de vida dos seus membros.
Realmente, sou levado a pensar que a vossa amizade nascia não apenas da simpatia humana, nem do conforto psicológico que sentiam, mas de uma profunda sintonia espiritual. Jesus de Nazaré oferecia o que satisfazia as aspirações mais genuínas do vosso coração e encontrava em vós o acolhimento receptivo de que tanto precisava. Certamente o seu cansaço provinha dos percursos da missão, mas sobretudo da incompreensão ingrata e da perseguição declarada de fariseus e saduceus.
Senhor Lázaro, acho muito estranho que o seu Amigo demore tanto tempo em reagir à mensagem de suas irmãs. Isto à primeira vista, porque Ele já nos habituou à capacidade de surpreender. E fê-lo, mais uma vez. A morte, na sequência da doença, é oportunidade para fazer brilhar as maravilhas de Deus. Na viagem para Betânia, aproveita para abrir horizontes à mente dos discípulos e de suas irmãs. Diz-lhes coisas admiráveis. Conversa com total franqueza. Declara-lhes a sua relação com a morte e a vida, fases do mesmo processo humano. Afirma: “Eu sou a ressurreição e a vida”. Garante que “quem acreditar em Mim, viverá para sempre”. Deixa assim a chave do futuro nas nossas mãos, na atitude que cada um assumir`, na relação que cultivar, na coerência que observar. Conversa e emociona-se, chora lágrimas de saudade, não de desespero mas de serenidade, pergunta onde foi sepultado, apressa-se a chegar. O amor tem ritmos que a hora de Deus acelera. A presença de tantas visitas que acompanhavam suas irmãs reforçava a urgência da novidade a anunciar. Supera avisos de cautela “higiénica”. Tenta dissipar as últimas dúvidas, personificadas na sua irmã Marta. Ordena que removam a pedra de resguardo da entrada do seu túmulo. O ambiente estava criado para a surpresa radical.
Senhor Lázaro, que emoção sinto ao narrar o episódio do seu reviver, após a morte. Cada pormenor é um símbolo para todos os tempos. Cada palavra, uma mensagem. Cada reparo, uma advertência. Cada anúncio, uma certeza a germinar sementes de esperança para sempre.
Jesus, o seu Amigo, levanta os olhos ao Céu, dá graças a Deus seu Pai e brada com voz forte: «Lázaro, sai para fora». E vós, o morto, ouvistes e recuperastes a vida, deixastes “a região sombria” e viestes para o meio dos presentes, a companhia dos mortais que exultam de alegria, embora alguns tenham ficado furiosos. E, depois, voltando-se para os mais próximos, acrescenta: «Desligai-o e deixai-o ir». Que maravilha! Finalmente liberto de todas as amarras. A percorrer os caminhos da vida. Em silêncio contagiante. A proclamar a novidade da morte física vencida, sinal do triunfo da vida definitiva, a vida eterna. A abrir sepulcros de frieza e indiferença. A garantir o “interesse” de Deus que sempre ajuda o ser humano quando este Lhe dá espaço e quer conviver. Obrigado pela mensagem bela do seu silêncio!