Reflexão de Georgino Rocha
O sermão das bem-aventuranças abre os ensinamentos de Jesus sobre a novidade que vem anunciar, o reino de Deus. Constitui uma espécie de iniciação ao estilo de vida feliz e alegre que os discípulos são convidados a apreciar e a transmitir, a cultivar e a celebrar. Faz a “ponte” entre o modo de agir de Deus e as aspirações mais genuínas do coração humano. Ponte que Jesus evidencia em opções claras e atitudes coerentes. Nele, o humano é tão singular que irradia o divino que o habita. Nele, cada bem-aventurança tem a marca do seu rosto e ritmo do seu coração. Nele, brilha com admirável naturalidade o reino de Deus, o pulsar do amor que se faz serviço de misericórdia.
Mateus, o evangelista narrador, compõe o seu discurso com sentenças colhidas em várias passagens bíblicas e dá-lhes um colorido entusiasta e assertivo, uma energia suplementar para quem tem de enfrentar e assumir situações contrastantes e de risco. De facto, “o mundo” vai por outro caminho, distancia-se e considera desumana, alienante e sedativa a mensagem das bem-aventuranças. O choque parece inevitável. E surgem perguntas como estas: de que felicidade se trata? Que alegria nos humaniza? Que estilo de vida sacia a nossa fome e a nossa sede de dignidade constante e de realização integral? Terão razão homens e mulheres como Madre Teresa de Calcutá, o Padre Américo do Gaiato, o Papa Francisco, as Criaditas dos Pobres, os voluntários silenciosos de todas as periferias?
Mateus propõe caminhos que são respostas válidas. Caminhos que, embora custosos, somos convidados a percorrer. Como no atletismo: a satisfação de alcançar a meta compensa bem o esforço dispendido na corrida. A alegria irradia de um coração liberto de todas as amarras, disponível e pronto, pobre de meios e rico em solidariedade, sem “ganchos” que reduzem espaços nem complexos que inibem ousadias criativas. “Esta alegria é privilégio unicamente de quem se sente livre, espontâneo, conectado directamente com o seu coração de ser simplesmente humano” (Homilética, 2017/1,45). De quem faz a experiência do amor confiante e da entrega generosa. De quem não deixa instalar no seu ser o poder corrosivo do egoísmo, das satisfações imediatas, da ganância de bens.
Jesus, grande mestre em humanidade, conhece bem o coração de cada um/a e o húmus da sociedade humana. O sermão do monte na Galileia constitui uma proposta de felicidade e adianta uma espécie de “desenho” do seu projecto para o mundo. A inversão de valores é clara. E vem ilustrada a partir de três situações de sofrimento e de três atitudes de fundo em benefício da pessoa humana: A felicidade de quem sofre por amor, de quem chora por compaixão, de quem tem fome e sede de justiça. Bem-aventurados os que são misericordiosos, os que tem um coração puro/transparente, os amigos e construtores da paz. Quem vive estas situações está em sintonia com o coração de Deus revelado no agir de Jesus Cristo.
Viver estas situações em círculos de progressivo alargamento: a pessoa, a família, a Igreja, a sociedade; vivê-las valorando o que de bom e de bem acontece e dando-o a conhecer; cultivando a boa disposição ou dando “largas” à prudente indignação; derramando uma lágrima perante o sofrimento injusto e imposto. Vivê-las na partilha do aumento salarial, na visita aos retidos por amarras desumanas, no sorriso a quem anda com rosto carrancudo e toma a vida demasiado “a sério”.
São felizes os que sabem reservar tempo para si, fazer silêncio no seu interior, rezar, ler e meditar a Palavra de Deus, avivar a fé e dialogar com o Senhor, participar na celebração dominical, alegrar-se com os sucessos, ainda que pequenos, dos empobrecidos. São felizes os que procuram os vestígios do rasto de Deus nas pegadas dos seres humanos. Terão a certeza de percorrer o caminho certo e seguro, andado por Jesus e “arejado” pela brisa suave do Espírito Santo.