Reflexão de Georgino Rocha
Não basta que a luz brilhe.
É preciso abrir os olhos
e remover os obstáculos
A opção de Jesus por fazer de Cafarnaúm local de residência e centro de irradiação missionária na Galileia parece estranha e indicia a novidade que vem anunciar: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino de Deus”. Pressionado pela urgência interior de ir ao encontro das pessoas e partilhar a grande notícia “Deus vem e já está connosco”, desloca-se para a terra dos gentios, junto ao lago de Tiberíades, tomando como indicador claro de ter chegado a hora para a sua decisão a prisão de João Baptista. Estranha opção para quem faz uma leitura superficial dos factos e não tem em conta o seu contexto histórico e cultural. Estranha opção para quem esquece a dimensão simbólica que frequentemente os acompanha e abre a um nova dimensão.
Mateus, o narrador evangelista, recorre ao profeta Isaías para apresentar alguns traços de Cafarnaúm e destacar que a nova situação de Jesus corresponde ao que estava anunciado. Traços centrados no povo que vivia nas trevas e viu uma grande luz, que jazia na região sombria da desesperança e levanta o ânimo, voltando a esperar. “A verdadeira realidade de Cafarnaúm - afirma Florentino Hernandez, autor do «Guia de Terra Santa: História-Arqueologia-Bíblia» é a de ter sido escolhida por Jesus de Nazaré como sua segunda pátria e de haver sido o centro do seu ministério apostólico na Galileia”. Gente pobre, não miserável, vivia do campo que cultivava entre pedras e na zona marítima, da pesca e do comércio de alguns produtos. Terra onde se cruzavam rotas de negociantes e peregrinos.
A Galileia dos gentios era uma região pobre, abandonada e com má fama. Chamar «galileu» a alguém constituía um insulto, Os seguidores de Jesus antes de serem designados por «cristãos» eram depreciativamente conhecidos por «galileus» (Actos dos Apóstolos 2, 7). Esta desconsideração provinha certamente da religião e da política. Religiosamente não observavam as obrigações do Templo, sendo ignorantes e pecadores. Politicamente, não aceitavam o jugo de Roma e revoltavam-se. A retaliação era de morte. Pilatos mandou executar um grupo quando oferecia sacrifícios religiosos ( Lc 13, 1).
Jesus inicia a sua missão entre os gentios, desconsiderados e indignados. Nas “periferias” existenciais como gosta de dizer e de fazer o Papa Francisco O jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista ‘La Civiltà Cattolica’ e consultor do Conselho Pontifício para a Cultura (Santa Sé) a propósito da próxima visita de Francisco a Fátima afirma que “o Papa viaja às periferias, também da Europa. Se repararmos, as viagens europeias partiram de Lampedusa e seguiram pela Grécia, Turquia, Bósnia, Polónia, Suécia e depois virá aqui, a Portugal: está a circum-navegar a Europa”. E explicita o sentido desta opção: “As viagens do Papa servem para tocar lugares em que há efervescência, onde existem estímulos, que possam ajudar a compreender melhor o centro e também os lugares onde se vivem feridas abertas, que se tocam para serem curadas”,
Esta opção pode provocar estranheza, mas está em consonância com a de Jesus para anunciar e viver o Evangelho de Deus: A quem sofre e anda insatisfeito, a quem é vítima das trevas da ignorância religiosa e da opressão cultural e económica, a quem está despojado da dignidade humana e sujeito à violência “mental” que manipula as notícias e silencia a verdade, a quem pode despertar as energias adormecidas e reagir acolhendo a novidade de que “outro mundo é possível”, de que Deus está connosco e é nosso aliado incondicional. O garante desta convicção é o próprio Jesus, a luz verdadeira que vindo ao mundo ilumina todo o homem (Jo 1, 9) e dá sentido a toda a criação.
Não basta que a luz brilhe. É preciso abrir os olhos e remover os obstáculos. A luz vista de frente impede-nos de ver. Ela, como o sol que se projecta sobre a terra, ilumina o que está ao nosso alcance e deixa-nos o seu reflexo. Assim quer Jesus apresentar e realizar a novidade de que é portador: O Reino de Deus. Assim quer Jesus garantir que seja a missão da Igreja e, por isso, chama discípulos que constitui apóstolos. Assim quer Jesus abrir em nós espaços de liberdade criativa e de doação solidária e confiante.