Crónica de Maria Donzília Almeida
Com a entrada de dezembro, começa a sentir-se o ar impregnado do cheirinho a Natal. Os primeiros sinais bem visíveis e apelativos começam nos mass media, com particular incidência na caixinha mágica que entra em casa e nos seduz. Aí, a publicidade de tão insistente começa a impor-se de forma subliminar, chegando a ser agressiva. Os perfumes, por exemplo, que têm um alvo específico, ocupando largo tempo de antena, metem-se pelos olhos dentro a quem quer impressionar pelo olfato.
Sendo o 67.º Natal que eu vivencio, se Deus quiser e me der saúde, como dizia a minha mãe, é com algum distanciamento que assisto a este materialismo.
Recordo, com saudade, os natais da minha infância, que tinham a magia e a candura da idade da inocência. Com os parcos recursos das famílias, a mesa de Natal era pobrezinha, mas à volta dela reunia-se a família, que na altura ainda era uma instituição de peso.
Pai e mãe presidiam à celebração e os filhos, sem as pretensões das crianças de hoje, aguardavam a chegada do Menino Jesus. No imaginário pueril, aquela criaturinha diáfana era o centro das atenções, pois lhes trazia as prendinhas tão ansiosamente esperadas.
Os pais, que viam no Menino Jesus a personificação do filho de Deus que nascera nas palhinhas, também lhe confiavam a sua saúde, o que lhes permitia serem os intermediários entre Deus e os filhos. O Menino Jesus era uma criação romântica que reluzia e inspirava numa sociedade pouco industrializada, quase rural.
Hoje, com a laicização da sociedade, esbateu-se essa criação e apareceu a figura bizarra do pai natal, empoleirado nos telhados a fazer uma escalada interminável.
Nas grandes e pequenas cidades, as ornamentações nas ruas e nas montras das lojas criam um ambiente propício à sociedade de consumo. Os centros comerciais enchem-se de luz, que quase ofusca o olhar. Os cânticos de natal, à mistura com miríades de luzinhas multicores, criam um ambiente místico que hipnotiza quem por ali se passeia despreocupadamente.
Se fossemos avaliar o bem-estar social e económico dos portugueses pelo glamour das iluminações natalícias das cidades, nas ruas, nos edifícios púbicos, nas casas particulares que mais parecem um arraial, poder-se-ia concluir: O país está eufórico!
As compras que se fazem com tanto afã, têm que contemplar todos os membros da família.
— Ainda me falta comprar a prenda para fulano… para beltrano… Ouve-se nas conversas ocasionais entre amigos.
As estradas de Portugal, nesta época, ficam asfixiadas pelo tráfego que deixa preocupadas as autoridades. As forças de segurança dão uma ajudinha no encaminhamento dos automobilistas e no descongestionamento do trânsito. Percorrem-se grandes distâncias, até do estrangeiro vêm pessoas, todas com um objetivo comum — matar saudades e passar o Natal em família!
Esta quadra favorece os laços familiares e congrega adultos e crianças numa confraternização salutar.
É assim que concebo e vivo as festas natalícias.
Mas como ser social gregário, não me passam ao lado aqueles que ficam à margem deste conforto material, num espírito fraterno e cristão.
Evoco, com tristeza, aqueles que, num cenário de guerra e destruição, perderam os seus entes queridos; aqueles que rejeitados pelas famílias vivem uma corrosiva solidão, dormindo num vão de escada, debaixo da ponte, ou num banco de jardim; aqueles a quem as vicissitudes da vida despojaram de bens materiais e não têm um naco de pão para matar a fome; aqueles que, apesar de uma mesa farta, estão de costas voltadas para o seu próximo, a quem negam uma simples migalha de afeto.
Qual será, para estes, o significado do Natal harmonioso e conciliador que me foi transmitido por herança paterna?
“Somos portadores da alegria” foi a mensagem da missa vespertina de sábado, que foi entregue a cada pessoa, à saída da igreja, numa tirinha de papel.
Corroboro e recomendo que levemos um raio de luz, a quem vive na escuridão do abandono e esquecimento.
Estou comprometida a fazer a minha quota parte.
12.12.2016