Reflexão de Georgino Rocha
A revolução da ternura |
Estranha afirmação de Jesus que faz parte da resposta dada aos enviados de João preocupados em saber se Ele era o Messias. Escandalizar-se com as suas atitudes e palavras, os seus gestos de cura e ensinamentos de libertação, atingia não apenas os dirigentes religiosos, mas o próprio João Baptista, o precursor. O escândalo seria fruto de algo surpreendente que contrastaria com tradições fundadas e expectativas criadas, com a mentalidade predominante alimentada em rituais de sinagoga e comentários de rua. De facto, segundo Mateus, o evangelista narrador, a surpresa é tão grande que provoca um diálogo clarificador e assertivo entre os enviados de João e o próprio Jesus. Mt 11, 2-11.
“És tu Aquele que há-de vir ou devemos esperar outro? é pergunta síntese do que se ouvia falar a respeito do comportamento de Jesus e de que os discípulos de João se fazem porta-vozes, pergunta suscitada pelas dúvidas e incertezas, pergunta que admite a correcção de desvios e comporta o desejo de alcançar a verdade. O contraste é interpelante: A misericórdia compassiva para com os infelizes da vida substitui a justiça “férrea” de João, o anúncio da boa nova da salvação ocupa o lugar do discurso “musculado” e ameaçador do precursor, a proximidade e o envolvimento na missão são como que o contraponto do refúgio no deserto e do isolamento na prisão. À imagem do Deus justiceiro sobrevém o rosto do Deus misericordioso. Contudo, Jesus reconhece a grandeza de João e faz um rasgado elogio.
O Papa Francisco, no início do Ano Jubilar recentemente celebrado, adverte que a descoberta de um Deus misericordioso traz uma mudança de atitude em relação aos outros. "Hoje, a revolução é a da ternura, porque daqui vem a justiça e todo o resto" e prossegue. "A revolução da ternura é aquela que hoje temos que cultivar como fruto deste ano da misericórdia: a ternura de Deus com cada um de nós. Cada um de nós deve dizer: «Sou um desgraçado, mas Deus me ama assim; então, também eu tenho que amar os outros da mesma forma». E conclui: “Descobrir isso nos levará a ter uma atitude mais tolerante, mais paciente, mas terna”.
A resposta de Jesus envolve os discípulos de João como testemunhas: Ide contar o que vedes e ouvis; e descarta qualquer outra atitude. Testemunhas presenciais. Só a verdade abre caminhos à liberdade, define a identidade, credencia a autenticidade da missão. Mateus, o autor da narração, recorre a Isaías e vai desfilando grupos de pessoas e situações que constituem “sinais” privilegiados da missão do Messias. Ainda que brevemente, actualizamos com Xavier Picasa alguns dos sinais indicados.
Os cegos que vêem, os coxos que andam, os surdos que ouvem são pessoas libertas da “prisão” que as limita ou impede de comunicar, de ver, ouvir, movimentar-se livremente, relacionar-se e avançar na vida. Fazer surgir um “tipo” novo de pessoa, constitui uma das apostas mais claras da missão de Jesus confiada à sua Igreja, aos seus discípulos, a nós. Que alegria confiante!
Os atingidos por todas as lepras ficam limpos e curados, recuperam a saúde integral, integram-se na sociedade nova que é de todos, estão aptos a conviver e a cooperar, dando e recebendo, desenvolvendo energias e compensando fragilidades. Que atenção/desafio nos é feito!
Os pobres são evangelizados com boas notícias e empenhativos projectos que os ajudam a alcançar uma vida mais digna, a libertar-se de dependências impostas, a despertar o potencial de vida “congelado” pelas situações de miséria, a descobrir horizontes de Infinito e de encontro com Deus. A maior pobreza, diz Madre Teresa de Calcutá, é esta privação da relação com Deus. Não há que ter medo do Evangelho da liberdade que é para todos. É urgente abandonar preconceitos e abrir-se a uma sã laicidade em favor da nossa comum humanidade.
Os mortos são ressuscitados, não apenas à maneira de Lázaro, mas como o que acontece ao próprio Jesus que, após a morte, ressuscita na manhã de páscoa e agora vive para sempre. Acontecimento central que alicerça a esperança cristã, cimenta a alegria e alimenta de seiva nova as experiências de vida em todos os que escutam a boa notícia do Evangelho e semeiam a esperança nas “noites” mais duras e sem sentido.
O contraste com a mensagem de João deixa em aberto a razão do possível escândalo. Jesus centra a resposta em si mesmo. E torna-a decisiva. Escandalizar-se com as suas atitudes é iniciar o percurso da infelicidade, da desventura, da acomodação e indiferença. “Feliz de quem não se escandaliza comigo”. É garantia e promessa de Jesus. Acredita. Experimenta. Vale a pena.