Reflexão de Georgino Rocha
João, o precursor de Jesus, envia-nos esta mensagem a partir do deserto, local para onde se havia retirado, deixando a sua terra natal e a sociedade em que vivia. Mateus, o evangelista narrador, recorda que o profeta Isaías já lhe tinha feito referência ao dizer: “Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”. E aduz como razão principal a proximidade do Reino de Deus que exige um coração sábio para acolher e uma vontade forte para ser coerente; exige arrependimento sincero das acções desviantes (pecados) e aceitação corajosa de uma nova escala de valores morais (virtudes); exige uma prática religiosa e uma ordem social que, cada uma a seu nível, sejam coerentes e promotoras da dignidade humana; exige, simplesmente, que endireitemos os nossos caminhos. Mensagem de sempre, que brilha, hoje, com enorme intensidade, tal a situação que se vive. E que sentimos na “própria pele” e vemos – oxalá com viva atenção! – um pouco por todo o lado, sobretudo nos meios de comunicação social.
“A cultura do individualismo exacerbado, sobretudo no Ocidente, leva a perder o sentido de solidariedade e responsabilidade para com os outros, afirma o Papa Francisco em recente intervenção pública. E prossegue, lembrando que “ o próprio Deus continua a ser hoje um desconhecido para muitos; isto constitui a maior pobreza e o maior obstáculo para o reconhecimento da dignidade inviolável da vida humana. Por isso, as obras de misericórdia constituem um evidente valor social. Impelem a arregaçar as mangas para restituir a dignidade a milhões de pessoas que são nossos irmãos e irmãs.”
A mensagem de João é credenciada pelo seu estilo de vida, pela opção do local onde se encontra, pela aceitação que despertava no povo que a ele acorria para o escutar e, depois, se baptizar no rio Jordâo. O estilo de vida está marcado pela sobriedade no vestir e na alimentação. O local escolhido é o deserto da soledade, espaço marginal à sociedade organizada e propício à experiência de valores diferentes e de tentações provocatórias. O povo era proveniente de várias terras, designadamente de Jerusalém. E, ainda, muitos fariseus e saduceus se incorporavam na fila dos candidatos ao baptismo, mais por simulação do que por convicção. Talvez para “refrescarem” a fama pública do seu estatuto oficial. A dureza da linguagem de João é detonadora desta intenção: Raça de víboras, o dia da ira está iminente, o machado posto à raiz da árvore, o fogo preparado para a queimar, uma vez que não dá fruto.
A opção de João explica, segundo J. M. Castillo, porque viveu e falou como profeta de um mundo diferente e novo. Para ser livre em todas as circunstâncias, não se pode viver como “funcionário” do sistema económico-social nem da instituição religiosa. Ainda que se tenha de optar pela auto-exclusão, pelo deserto da provação, pela incompreensão e morte. Como lhe aconteceu a ele, após a denúncia de Herodíades, e a Jesus com a sentença de Pilatos pressionado pelo sumo-sacerdote, Caifás.
João não fica pela denúncia, ainda que veemente, mas volta-se decididamente para o anúncio confiante de “Alguém que vem depois de mim e é mais forte do que eu e não sou digno de levar as suas sandálias. Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo”. Anúncio confiante que desperta as energias das consciências adormecidas e dos corações arrefecidos, das atitudes ríspidas e egoístas, fruto da indiferença e do narcótico consumista. Anúncio confiante que nos impulsiona a ver as pessoas e os acontecimentos com novo olhar, reflexo da misericórdia de Deus que, em Jesus de Nazaré, se humaniza.
A propósito do desastre de avião que atingiu dezenas de pessoas, entre as quais quase toda a equipa de futebol de Chapecó, no Brasil, que ia jogar a final da copa América, o bispo da respectiva diocese, D. José Magri, foi entrevistado pela Rádio Vaticano e, depois de lamentar o sucedido e de se solidarizar com as famílias das vítimas mortais e feridas, afirmou:
“A fé deve ser um ponto de força para todos, especialmente para os familiares, para continuar a vida, para continuar lutando, e guardando então como ponto de motivação, o exemplo bonito que este time estava dando, cada pessoa individualmente, vestindo essa camisa, e lutando juntos por um sonho. Fica deles, esse aspecto bonito de uma equipe que – sem grandes recursos econômicos – mas no sentido bonito de time, de força associativa, não era só os jogadores, a diretoria, toda a caminhada do clube fica como legado que certamente deverá ser continuado. Neste momento, a nossa presença e solidariedade, dizendo que a vida continua, vamos pra frente, é possível recomeçar”.
Ver os factos com outros olhos não lhes retira nada do seu peso tremendo, mas permite pressentir a brisa de Deus nas tragédias humanas, como garante o presidente do clube Atletico Nacional da Colômbia, adversário da Chapecoense na final da Sulamericana de 2016.